segunda-feira, 21 de dezembro de 2009


Os Recados voltam em Janeiro...
Até lá, um FELIZ NATAL para todos!!!

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A Dança


“Eu sei, eu sei, és a linda portuguesa com quem eu quero casar…”

- Angolana, Angolana! – emendava o Lopes, enquanto “varria” o salão com a cozinheira nos braços.

Gingavam de tal forma, ao sabor da música, que cheguei a temer que algum deles se desconjuntasse.

- Venha daí engenheiro! Olhe bem para esta ginga do Lopes, veja! – gritou, enquanto passava e repassava a parceira por baixo dos braços, obrigando-a a rodopios sem fim. Se ela não caiu tonta no chão, foi apenas porque o Lopes a segurava com firmeza, certamente.

Perguntei a alguém que, como eu, assistia ao show:

- Então, mas o que se passa aqui hoje?

- O Lopes… - respondeu-me ele sorrindo. – Tinha prometido à cozinheira que antes do Natal lhe mostrava o que era dançar. Está a cumprir a promessa!

Terminada a música, e depois de redescobrir o Norte, a cozinheira desafiou:

- Mestre Lopes, agora uma música da terra! Aguentas?

E o Lopes sorriu cheio de doçura, ensaiando três passos para o lado esquerdo, dois para o direito e estendendo a mão à moça. Aquilo serviria de resposta? Ela que pusesse a kizomba, mas é, e deixasse o resto com ele.

E o Mestre dançou. Tomou as rédeas ao ritmo e lá se foi rebolando ao jeito africano, enquanto conduzia o seu par pela sala. De vez em quando esticava as pernas, ao jeito do can-can, e ninguém percebia para quê. Muito menos a cozinheira que escapou por pouco de dois ou três pontapés. Mas tudo aquilo fazia parte da “performance do artista”, como ele explicou depois.

E foi já no decorrer do almoço que ele me confessou, num tom sério.

- Aproveitei e disse a essa cozinheira umas verdades que ela precisava de ouvir.

Ainda lhe perguntei que verdades eram essas, mas ele mostrou-se enigmático:

- Isso são segredos de um “galão” profissional.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Ser Angolano

Ser Angolano é acordar de madrugada e demorar três horas para chegar ao trabalho. É voltar a chegar a casa à noite, depois de mais três horas de engarrafamento, e não ter água na torneira para tomar banho.

Ser Angolano é comer funge todos os sábados. É casar à sexta-feira à noite e ir para o estacionamento do Belas Shopping tirar as fotos, em frente aos jeeps topo de gama. Ou então em frente à estátua do Agostinho Neto, no Largo 1º de Maio.

Ser Angolano é lavar o carro todos os dias. É engraxar os sapatos na rua para dez minutos depois estarem cheios de pó. É falar ao telefone bem alto, para todos ouvirem. Ser Angolano é ver novelas e comentá-las no dia seguinte.

Ser Angolano é não respeitar as regras de trânsito. É conduzir em contra-mão ou sobre os passeios. É dar gasosas aos polícias. Ser Angolano é conduzir sem ter carta de condução.

Ser Angolano é ter sempre um óbito para assistir. É faltar ao trabalho à sexta-feira. E à segunda também. E porque não à quarta?

Ser Angolano é ouvir Kuduro no meio da rua. É dançar Kizomba. É "desaparecer" e desligar o telemóvel à sexta-feira, porque é dia do Homem.

Ser Angolano é urinar na rua com a maior descontracção. E ser Angolana também.

Ser Angolano é ser vaidoso. É usar cachecol quando a temperatura baixa dos 20 graus. É ter sempre uma história para contar.

Ser Angolano é ser isto e muito mais. Ser Angolano é ser diferente.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

João Sabonete

Hoje apresento-vos o João Sabonete, temível guarda de obra, como as imagens a seguir documentam:






Não sei onde aprendeu nem o que pretende fazer com aqueles movimentos todos, mas eu fiquei tonto. E maravilhado...

Decidi também que vou pedir à empresa um guarda assim para a minha obra. Ou isso ou um aumento, tenho que pensar...

sábado, 5 de dezembro de 2009

Sócrates, vem cá ver isto...

O Telejornal noticiava o debate quinzenal da Assembleia, dando conta de mais uma das habituais balbúrdias, com o Sócrates a pedir juizinho ao Paulo Portas, gritos, criancices, enfim… Mais do mesmo.

Curioso, perguntei a quem estava comigo, conhecedor do assunto:

- Aqui nas vossas Assembleias também é assim?

- Não, nada disso. – disse-me ele, sorrindo. - Aqui o Primeiro Ministro leva as perguntas para casa e a seguir responde, dois dias depois!

Ora aí está!

Eu fiquei a imaginar o homem a sair da Assembleia com a caixa das perguntas debaixo do braço. Sócrates, fica a sugestão…

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Conto de Natal

O barco seguia no seu ritmo cansado, o único possível para um motor que já teve melhores dias. E não se pode pedir mais, afinal foram inúmeras as viagens, para lá e para cá, sempre carregado de pessoas e/ou mercadorias. Houve quem dissesse que o facto de aquele motor ainda trabalhar já era, por si só, um milagre. Ao que o Lopes respondeu que "não é milagre nenhum, são os Japoneses". Ninguém fazia motores tão "selvagens e robustos" como os Japoneses...

Mas continuando, lá iamos nós: eu, o marinheiro e um colega recém chegado a estas paragens, quando fomos gentilmente convidados a parar pelos fiscais da polícia marítima.

Os pedidos habituais para "facultar" a documentação, do barco e do marinheiro, e tudo legal. Mas caramba, como podia uma embarcação de recreio, "segundo consta no livrete", não ter uma caixa térmica para guardar bebidas? Estava encontrada a infracção.

O meu colega, inexperiente, ainda tentou insurgir-se contra aquele absurdo, mas eu convideio-o, com uma subtil cotovelada, a deixar-me conduzir a negociação.

"Vamos lá conversar bem então..."

Durante o diálogo fui recordado que estávamos em época natalícia. Tempo de "fazer o bem" e "ajudar o irmão". Tanto que uma colaboração naquele momento vinha mesmo a calhar. Ele comprava "o presente do dengue mais novo e eu podia seguir a minha viagem". A velha lei da reciprocidade...

Fui tocado pelo espírito natalício e lá cheguei à outra margem...

Feliz Natal Sr. Agente!

domingo, 29 de novembro de 2009

Segurança Embriagado

Ao contrário do segurança dançarino, este vídeo não foi filmado por mim. Mas podia ter sido. Por mim ou por qualquer pessoa que viva o dia a dia em Luanda com uma câmera na mão. Insólitos destes são diários, acreditem!




E depois há sempre um supervisor que aparece de folhas na mão a controlar o trabalho... Pergunto onde estaria ele, enquanto o outro se atestou de "Cucas".

sábado, 28 de novembro de 2009

Cinema Angolano (Parte II)

Mais um excerto do cinema Angolano...





Não vou tecer críticas ao enredo, muito menos ao diálogo. Isso deixo para vocês. Mas há uma pergunta que não posso deixar de fazer:

O Cobra não terá calor? Mas quem escolheu aquela roupa para o homem?

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O Almeida e a Sueca

A notícia deixara o grupo de amigos completamente surpreso, roçando mesmo a indignação, em alguns casos.

Está certo que o Almeida era acarinhado por todos, até pelo seu aspecto franzino, mas isso não lhe dava aquele direito.

- O Almeida com uma sueca? – disse o Jorge, a voz da indignação geral, abrindo os braços como quem espera uma explicação para aquele delito.

E depois justificou a sua revolta. Uma sueca era algo que fugia aos padrões do grupo, quiçá do país. Ninguém deveria ter direito a uma sueca. Ou tinham todos, ou não tinha ninguém! E logo o Almeida? Com aquela cara que um dia a Alzira apelidara de grotesca “para não chamar nada pior”?

Todos concordaram que uma sueca era demais e pediram outra rodada. Havia que afogar a consternação.

- Mas alguém já viu a sueca do Almeida? – perguntou o Xico. – Pode até ser feia…

Mas após debaterem o assunto concluiram que não havia suecas feias e que o Almeida ia ter que se explicar.

Foi quando, não por acaso, o Almeida entrou no bar, acompanhado do assunto principal.

O grupo ficou imóvel, com a respiração suspensa, enquanto apreciavam aquele ser. Pernas grandes e peitos idem, toda ela transbordava beleza. “E muita volúpia”, sugeriu mais tarde o Xico.

- Esta é a Ingrä, a minha namorada. Ingrä com duas bolinhas no a, é sueca. – apresentou o Almeida, cheio de exibicionismo.

E a “Ingrä com duas bolinhas no a” cumprimentou-os a todos, com um “olá, tudo bem?” cheio de sotaque escandinavo. Falava com tanta sensualidade que, se a sua voz pudesse ser engarrafada, seria vendida como afrodisíaco.

Era realmente linda, aquela sueca. Alta e linda. Tão alta e tão linda, que logo todos confirmaram a tese de que o Almeida não tinha direito a ter uma mulher daquelas dimensões. E nem sequer era inveja. Tratava-se, no fundo, de uma questão de justiça.

Durante semanas o Almeida e a sua sueca, que não se largavam um minuto, foram o tema principal da maioria das conversas. Várias correntes de opiniões tentavam encontrar a chave que desvendasse aquele mistério. Uns sugeriam que ele a estava a chantagear de alguma forma, ou que ganhara o Euromilhões e tinha “comprado” a sueca. Outros, com teorias mais criativas, defendiam que ele a salvara da morte, em qualquer circunstância esquisita, e que ela estava com ele por agradecimento. Só mesmo por caridade…

Até que, um dia mais tarde, veio a notícia. O Almeida fora visto sozinho. Já não estava com a sueca!

Naquela mesma mesa, reunidos, os amigos congratularam-se com o sucedido. A terra voltava a girar sem sobressaltos. Estava restabelecida a lógica, segundo a qual uma sueca daquelas não podia ser de um Almeida daqueles.

Parecia claro que só podia ter sido a sueca a cair em si e a deixar o Almeida. Nem se colocou outra hipótese, sequer.

Ainda assim, até por sarcasmo, alguém quis saber o que acontecera.

- Epá - disse o Almeida – As Suecas são complicadas.

Repetiu:

- As suecas são complicadas!

E contou que as suecas eram terrivelmente ciumentas e atrasadas, pois não admitiam que um homem pudesse ter duas ou três namoradas ao mesmo tempo e...

A explicação foi interrompida pelo toque do telemóvel do Almeida.

- Estão a ver? Agora é isto! Desde que a deixei não pára de me ligar. Além de tudo as suecas são insistentes e chatas.

Surpresa geral! O Almeida é que largara a “Ingrä com duas bolinhas no a”!

- É que eu não consigo prender-me a uma mulher só. Eu sou assim... - concluiu o Almeida, encolhendo os ombros, enquanto trincava um rissol e rejeitava a chamada da sueca.

E se com a sueca o Almeida já era o tema principal das conversas, sem a sueca passou a ser o herói do grupo.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Candongueiros



Os candongueiros em Luanda são uma autêntica praga. São aos milhares e aparecem por todos os lados, emprestando ao trânsito da cidade, já por si caótico, uma desordem adicional.

Para quem conduz nesta babilónia, ter que partilhar as estradas (ou o que se queira chamar a pedaços de alcatrão esburacados) com estes transportes públicos é, sem dúvida, arrepiante. Ele aparecem pela esquerda, pela direita, por trás, e, não raras vezes, de frente, vindo em contra-mão.

Mais de metade deles nunca frequentaram uma escola de condução, o que explica o desrespeito total pelas regras de trânsito. Juntando à falta de civismo o resultado é explosivo.

Mas se para quem está do lado de fora é assustador, imaginem para quem está lá dentro. E são inúmeras as pessoas que dependem deste transporte para se deslocarem.

O motorista geralmente é um tipo cheio de estilo que conduz só com uma mão, apoiando o braço na janela da porta. A outra serve para segurar a “Cuca” que lhe vai matando a sede. Cobram por cabeça (há quem diga que os gordos pagam a dobrar) e vão atulhando até ao limite, que é longo. Enquanto houver um colo disponível cabe sempre mais um.

E quem sofre mais são as mulheres, adivinhem lá porquê…

- Xê dama, senta só aqui no colo. Ai, tás armada em quê?

A outra, grávida, pediu que alguém lhe disponibilizasse um lugar para sentar:

- Sai lá daqui, mas é. Eu cheguei primeiro. Queres sentar pede ao teu marido pra te comprar carro!

E tudo isto sempre com os poderosos décibeis do rádio ao máximo. A música, geralmente Kuduro, faz a carrinha abanar e é motivo de competição entre os diversos candongueiros. É uma algazarra que só vista.

Apesar de tudo isto, estes veículos podem sempre vir a ser úteis, algum dia. Se tiverem que estar em algum lugar num espaço de tempo impossível (para um condutor normal), basta fazerem a oferta:

- Pago o dobro se me deixar no aeroporto em 15 minutos.

E não duvidem que apanharão o voo. Provavelmente pálidos de susto (o que será normal depois de percorrerem kms em contra-mão ou sobre os passeios), mas o que conta é o objectivo.

Fica a dica se alguém precisar.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Exageradamente Educados


Todos nós conhecemos o tipo e já convivemos, mais ou menos de perto, com alguém assim. Falo das pessoas exageradamente educadas, com as quais, vou já avisando, eu não simpatizo. Daquelas a quem nós mandamos à merda e elas vão, só para não fazerem a desfeita.

Os exageradamente educados (daqui em diante designados por EE) comportam-se de tal forma que, para os mais desatentos, até pode parecer falsidade ou hipocrisia. Mas não é, garanto-vos. Talvez só um pouco de sonsice, vá. De resto eles são mesmo assim, irritantes mas puros.

Eu conheço algumas pessoas dessa classe e não é que não goste delas, mas sei lá, acho que quiseram nascer à pressa e vieram assim, sem sal. Não aprecio…

Pode ser mau feitio da minha parte, admito, mas como tolerar mamíferos, em cujo discurso se perde a conta às vezes em que dizem “obrigado” ou “por favor”? E aquelas redundâncias típicas da espécie? "Por gentileza, quer fazer a amabilidade de me passar o açúcar, por favor?" E ainda agradecem por antecipação: "Agradecidíssimo." Conjugam o superlativo sintético como ninguém!

Outra característica ímpar dos EE é o facto de nunca dizerem asneiras. Alguns, mais atrevidos, gostam de usar palavras foneticamente idênticas às asneirolas populares. E é vê-los dizer um "fosga-se" quando entalam o dedo numa porta, o que além de ser ridículo não faz sentido nenhum. Consta que houve um que se irritou tanto, mas tanto, que soltou um “xiça!” e ficou deprimido, logo em seguida.

Como sugestão, e se vocês forem suficientemente desocupados para tal (há sempre a probabilidade de isso acontecer), façam a seguinte experiência:

Liguem repetidamente para um EE perguntando por outra pessoa. Ao fim do vigésimo telefonema “por engano”, num espaço de cinco minutos, além de atender, aposto que ele continuará a dizer com uma boa disposição irritante: “Ora essa, não é incómodo nenhum”.

Eu nunca experimentei, porque tenho muito que fazer, mas é só uma teoria a comprovar…

Só para concluir, que fique bem claro eu gosto de pessoas educadas, e considero-me entre elas, mas convenhamos, não é preciso exagerar…

Nota: Este recado não se enquadra no âmbito do blog, no entanto, achei por bem fazer este alerta.

domingo, 22 de novembro de 2009

Domingo...

Só por acaso, vi que em Portugal já vai estando frio, o que me deixou deveras preocupado. Tanto que pensei: "bem, vou mas é dar um mergulho nestas águas mornas do Mussulo, que o sol tá que tá!". E enquanto me banhava, só pensava no tempo em Portugal, com grave inquietação. O frio é uma chatice, de facto...


Abaixo uma companheira do passeio de hoje:




sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Calor e Lagostas

Angola vai ficando cada vez mais quente. O Verão vai avançando sobre nós de forma esmagadora, somando-se às dificuldades inerentes ao local. Quaisquer cinco minutos pela obra já se tornam um sacrifício, sendo o trabalho burocrático, sob a “bênção” do ar condicionado, o único escape.

Mas concluídos todos os mails, relatórios e afins, restavam duas opções: continuar no escritório a desenvolver a actividade milenar de nada fazer, ou sair novamente para a obra e mandar uns bitaites “à engenheiro”. Confesso que ainda ponderei ficar pela primeira opção, mas a responsabilidade é uma virtude. Amén!

Ao fim de caminhar trinta segundos já suava por todos os poros e o mar, mesmo ali ao lado, parecia tão distante para quem está na praia a trabalho e não pode, simplesmente, aproveitar para vestir uns calções e dar um mergulho. O que não se entende, mas enfim, formalismos!

Ao terminar a “voltinha” da ordem sentia-me assim, como uma espécie de urso polar no deserto. A minha vontade era correr outra vez para o ar condicionado, quando sou interpelado por uma jovem vendedora que passava na praia. Não devia ter mais do que 10 anos, e ali estava ela, sob o árduo sol, a trabalhar.

- Senhor, não quer comprar umas lagostas?

- E quanto é?

- Dois mil kwanzas cada uma, senhor. Estão fresquinhas.

- Dois mil? O que é isso? Ainda ontem o pessoal da obra comprou a mil. Isso tá caro!

- Não, senhor. A mamã falou que se for branco o preço é dois mil.

Eu sempre soube que o preço dos artigos variava consoante as origens do comprador, contudo, jamais me tinha sido dito assim, com aquela frontalidade e ingenuidade, próprias de uma criança.

Enfim, não comprei as lagostas, mas até fiquei com vontade.



P.S. - Já só falta um mês para completar mais uma etapa!

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Cinema Angolano

Por cá também se faz cinema, cuja qualidade deixo para vocês apreciarem no "trailer" que se segue. O filme chama-se "Assaltos em Luanda".



Eu cá gostei, especialmente, das seguintes passagens:

"... Essa altura de roubar lâmpadas. Estás muito confiançudo!" - Eu também estou "confiançudo" que o actor leu o guião. Acredito, plenamente, que a deixa fosse assim mesmo...

" Não tou a mandar, tou a ordenar" - Sim, porque isso de mandar é para os agentes fraquinhos. Este ORDENA!

" Tás a rir? Tás a rir com quem? Caguei?" - Esta deixa-me sem palavras...

Enfim, deixo aos cinéfilos uma crítica mais elaborada e sustentada.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A Homenagem

Após vários pedidos, e com os direitos de imagem devidamente salvaguardados...


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Morcegos


Eu insisto, foi um erro! Quando Deus fez o homem com os restos da mulher, só para não deitar o barro fora, nunca imaginou que pudessem acontecer coisas destas:

- Engenheiro, consegui! Finalmente! – disse-me ele com um sorriso extasiante. Não era um sorriso de felicidade. Era o sorriso da felicidade, o original.

- Conseguiu o quê, Lopes?

- Então não sabe? Andavam ali 4 morcegos numa palmeira, de cima para baixo, de baixo para cima, a gatinhar. Esses gajos estavam todos cheios de medo – disse, apontando com o queixo a mesa onde almoçavam quatro trabalhadores.

- E você apanhou os bichos?

- Claro, o Lopes não brinca. Trepei a árvore e apanhei-os, um por um. Enquanto estes maricas estavam todos a guinchar com medo, que nem umas Marias Madalenas. – respondeu o Lopes, sentando-se no meio dos rapazes, que mostravam entusiasmo com a bravura do Mestre. E um deles perguntou:

- Mestre Lopes, mas eles não voaram quando tentou apanhar?

- Não. Mas porque eu fui ágil. Aliás, os morcegos não voam muito. Eles são mamíferos, sabias?

E como o outro abanou a cabeça, dizendo que não, ele sustentou a afirmação:

- Mas são. São mamíferos porque têm dentes.

De seguida, estimulado, contou mais uma das suas façanhas - “Ouça esta, Engenheiro!” – na qual, há uns anos, na Guiné, já apanhara morcegos “não querendo exagerar, mas praí com o triplo do tamanho destes”. E tudo com um ou dois saltos que classificou de “faustosos”.

- Pois é, o Lopes que vocês vêm aqui já foi ainda mais esguio. Haviam de me ver há uns anos…

E os rapazes ouviam-no deliciados. Para aquela plateia o Lopes era uma espécie de herói, a quem qualquer coisa de extraordinária podia sempre acontecer. Se ouvissem dizer que ele era procurado pela Interpol, ou que seria o novo marido da Nicole Kidman, ou as duas coisas, ninguém duvidaria. Afinal, era o Lopes
!

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Sai uma Gasosa!

O nosso transporte para a obra faz-se de barco, bem cedo, logo ao começo do dia. Àquela hora o horizonte esconde-se atrás de uma neblina ténue, que se vai desfazendo aos poucos, revelando a Ilha do Mussulo.

Mas hoje houve uma revelação extra. Sentados na areia estavam dois fiscais da polícia marítima que, ao avistarem um barco cheio de "pulas" (vulgos "indivíduos de raça branca"), levantaram-se num ápice colocando-se em posição profissional. Foi como se vissem um cofre aberto, pairando no ar e vindo em direcção a eles. Arregalaram os olhos, que já brilhavam por esta altura, e saudaram-nos com uma continência.

- Bom dia meus senhores, facultem só a documentação do barco e do marinheiro, yá?

Yá, facultámos. E estava tudo legal. Eles ainda tentaram alegar que os documentos deviam estar plastificados, "porque tão a ver, né? O sal vai acabar por deixar isso tudo amarelo", mas a argumentação foi fraquinha e não teve sucesso ($$$).

E já iamos embora quando:

- Xê, xê, xê, cumé esse colete patrício? Tem um furo! - disse um dos fiscais para um dos passageiros do barco.

E de facto tinha... Um furo tão grande que julgo que dificilmente um grão de areia passasse ali. Mas tinha um furo!

- Epá, eu até nem gosto de complicar, mas vou ter que te multar. A lei diz que o colete tem que estar em condições. Esse tem um furo, vê só! - insistiu ele, apontando o furo com o dedo. E ainda quis investigar: - Quem fez esse furo, afinal?

Como era uma pergunta de resposta impossível, o assunto resolveu-se com 2000 Kwanzas e fomos todos embora. Mas só porque ele não gostava de complicar...

E já eu estava a trabalhar (eu trabalho muito!) quando o marinheiro, que ficara a atracar o barco, me veio contar que também lhe "sugaram" 500 kwanzas. Porquê? Porque o barco deveria ter remos em madeira maciça, e aqueles eram de "qualidade duvidosa".

Limitei-me a sugerir que, da próxima vez, ele comprove na cabeça dos fiscais se os remos são mesmo de madeira maciça.

***

Houve, também, aquele polícia que, após ver e rever toda a documentação do carro e do condutor, nada encontrou de irregular. “Mas e a gasosa, como sacar a gasosa?”, pensou. E desenrascou-se assim:

- Vou ter que te multar, Sr. Condutor…

- A mim?

- Sim, a quem mais?

- Mas porquê? Está tudo legal, os documentos estão aí todos.

- Por desrespeito à autoridade.

- Eu? Mas eu nem disse nada, fiquei aqui quieto.

- Pois é, mas não tirou os óculos escuros enquanto falava comigo. Isso é uma falta de respeito.

E como os documentos só voltam a sair do bolso da autoridade após uma transacção económica, não valia a pena argumentar.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Arte e Engenho

Alguém me perguntava, há dias, onde eu encontrava assuntos e histórias para contar, quase diariamente. Claro está que o autor da pergunta jamais esteve em Angola, o que explica a curiosidade.

Aqui, para quem está atento e debruçado, com interesse, sobre o quotidiano, facilmente se encontram, num pormenor ou num grande acontecimento, motivos para enviar um “recado”.

Seja no trânsito, na rua, na obra, ou em qualquer outro lugar, Angola é um lugar fértil em situações insólitas e caricatas. Além disso eu ainda tenho um trunfo, que é o Lopes. Quando o assunto escasseia, basta perder meia hora de prosa com ele e logo surgem novidades.

Depois é só uma questão de colocar o recado em escrita.

Para tal, e da mesma forma que Camões pediu arte e engenho para escrever os feitos Portugueses, também eu peço do mesmo para vos contar todas as peripécias de Angola, o mais literalmente possível. E não é que eu me queira comparar ao Camões (até porque ele era zarolho e eu não), mas um bocado de engenho, parecendo que não, ajuda!

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O Persa

Início do mês e renovações de contratos dos trabalhadores nacionais. Papelada para preencher. Este renova, este não, este sim, este não… E lá pelas tantas:

Xitó Nabungo Salimanda Silva. O Silva ali, perdido no meio do nome.

- Lopes, o Xitó Nabungo costuma faltar muito, não é?

- Uuuuuuuu…

- Tanto assim?

- É verdade. E o gajo até é trabalhador, mas xiça! Apesar disso acho que era bom ele ficar mais um mesito, mas você é que manda.

- É, também tenho boa impressão dele, tirando as faltas. Xitó Nabungo… - repeti eu aquele nome engraçado.

- Persa.

- Diga, Lopes?

- Persa. Xitó Nabungo é um nome com origens Persas.

Tive dificuldade em acreditar na veracidade de tal informação (porque será?), mas, ao mesmo tempo, curiosidade em saber mais sobre aquilo.

- Será, Lopes? Isso não me parece Persa. Soa-me mais a um nome tipicamente Angolano…

- Não senhora! Xitó é Persa e Nabungo Salimanda também. Já o Silva é controverso.

- Ó Lopes, deixe-se de histórias. Qual é a dúvida de que Silva é Português?

- É controverso – insistiu ele fazendo um sinal com a mão, reforçando que aquilo era uma questão dúbia.

- Lopes, origens à parte, chame o Xitó, se faz favor, que preciso de uns dados dele para preencher aqui…

- Ok, até calha bem.

E quando o Xitó chegou, antes que eu pudesse dizer o que quer que fosse, o Lopes avançou:

- Olha lá, o teu nome é Persa, não é?

- Não, é Xitó.

- Sim. Não, mas Xitó não tem a ver com a Pérsia?

- Hum?

- Não é hum, não sabes a origem do teu nome? Tens que te interessar por essas coisas! Ó Engenheiro, ele não sabe, mas garanto-lhe que é Persa.

E o outro, sem perceber nada, ficou ali a apreciar os raciocínios do Lopes, até que eu o chamei. Perguntei-lhe vários dados que fui preenchendo, e por fim quis saber:

- Qual é a sua idade?

- Ya, tenho em média 30 anos. - respondeu-me ele, cheio de certezas. Podia não saber as origens dos nomes, mas sabia a idade, terá pensado.

E após informá-lo que iria ficar mais um mês na obra ele saiu.

De pronto, aparece de novo o Lopes, com uma maçã roída na mão. Encostou-se à obreira da porta e, olhando sempre para a fruta, nos intervalos da deglutição foi dizendo:

- Este tipo se não faltasse tanto era uma máquina.

- Infelizmente esse é um problema recorrente.

- Pois, é uma questão do país. Há sempre um óbito, um paludismo, qualquer coisa. Não se pode lutar contra uma montanha! – filosofou ele.

Já eu fiquei a pensar o que seria aquilo de ter em média 30 anos… Talvez alguém cuja idade variasse sazonalmente mas que, só por orientação, andava sempre ali nos 30… em média!

sábado, 31 de outubro de 2009

Final de Dia



Assim termina mais um dia de trabalho...

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O Comentador

No rádio a noticia dá conta de que, só nos primeiros seis meses do ano, o número de mortes nas estradas angolanas atingiu os dois milhares.

Instado a comentar, o “guru” escolhido para opinar sobre o assunto disse:

- É terrível! Eu olho para esses números e penso na redução drástica do nosso parque automóvel. É, de facto, um assunto grave que devemos combater.


Sem dúvida, até porque isso é o que interessa. As perdas humanas são só um pormenor…

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Para isto não está calor...

Após o episódio do excesso de calor, eis que encontro o personagem principal da história nestes preparos. No extremo oposto ao local onde deveria fazer o seu trabalho, lá estava ele, ensaiando uns passos de dança...


quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Mito ou Verdade III

Desta vez não vou relatar, mas deixar-vos ouvir...


terça-feira, 27 de outubro de 2009

Gestão Desportiva

Trata-se, claramente, de mais um exemplo de má gestão dos clubes de futebol portugueses.

Senão vejamos:

Ir a Lisboa, jogar contra o Benfica, acarreta custos de viagem, alojamento e toda uma logística associada. E para quê? Para levar cinco ou seis... Ora, sendo a goleada a sofrer um dado adquirido, qualquer bom gestor optaria por faltar ao jogo, perdendo assim por falta de comparência. A nível matemático os pontos somados seriam os mesmos, ZERO, mas havia uma poupança, quer económica, quer moral…

Tanto assim é, que já há discussões sobre o assunto, em alguns balneários Portugueses:

- O Mister diz que não quer saber de conversas. Temos mesmo que ir jogar com o Benfica…

- Pô cara, sacanagem! Ele tá doido, é? Nem eu, como esse nome de super-herói, tenho tanta coragem. Pô…

- Madre mia! Tengo miedo por nuestra dignidad! Porque Jesualdo hace esto com nosotros?

Mas o capitão era o mais indignado:

- Se o velho me obriga a jogar dou-lhe uma cabeçada!

(- Oh madre mia, Benfica no, no!)

- Calma Bruno, violência não! Quem sabe até conseguimos fazer um brilharete. Perder por 4 a 0, sei lá. Temos que acreditar!

(- Madre mia, que medo de Di Maria!)

- Sim, sim, e até podemos trocar camisolas com eles, no final! – entusiasmou-se o loiro tatuado.

Mas o Bruno não queria nem saber.

- E o Uruguaio que se cale!



Nota do autor: Embora a conversa se tenha passado no balneário de uma equipa de segundo plano, consta que o assunto é, também, comentado nos principais clubes.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O Verão não é para trabalhar

E o dia começou assim:

- O segurança que venha cá, que eu quero falar com ele.

O carro de um dos nossos colaboradores tinha sido danificado (um vidro partido e uns riscos), tudo porque ele se rejeitara a dar uma notinha aos miúdos que povoavam o estacionamento. Alegou que a empresa tinha lá guarda e, portanto, não precisava de pagar a ninguém.

E o segurança chegou.

- Mandou chamar?

- Mandei, entre, se faz favor.

Ele entrou e foi-se logo sentando. Perna cruzada e chapéu pousado no colo, fez-me saber que estava às ordens. Eu relatei-lhe o caso e quis perceber o que ele tinha a dizer sobre o assunto.

E assim se surpreende alguém:

- Eu sei, engenheiro, eu vi tudo. – diz-me ele, com alguma desilusão, própria de quem queria era novidades.

- Então se viu, não fez nada porquê?

Ele alternou o cruzar das pernas e abriu os braços. Depois, libertou aquele "Bom..." próprio de quem vai iniciar uma explicação perfeitamente natural. Tanto que até aborrece falar naquilo.

- Eu estava na sombra, debaixo da árvore, e o carro estava ao sol. Agora, no Verão, o calor logo de manhã é bué! – justificou-se, cheio de lógica. E certificou-se: - Está a entender, né?

Fiquei imóvel, com o olhar preso naquela figura à minha frente, e mantive-me assim por uns segundos, o tempo necessário para tentar acreditar no que acabara de ouvir. E também para passar a vontade de dar-lhe um puxão de orelhas (no sentido literal da coisa, à encarregado de educação).

Mas a única coisa que consegui fazer foi abanar, repetidamente, a cabeça. Eu já me devia ter habituado…

Depois da dura reprimenda ele lá saiu. E ao cruzar-se com alguém lá fora, soltou:

- Porra, esses gajos não entendem o que é o calor. Um gajo sofre!

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Crises Migratórias e Afins

A recente polémica migratória entre a República Democrática do Congo (RDC) e a República Popular de Angola (“banda”), veio despertar no Lopes um novo ódio de estimação. “Eu se vejo um desses Congos à frente, nem sei…”

Apenas um “à parte” (sempre quis fazer um nos meus recados, pelo que agradeço a estas duas nações a oportunidade), para situar os leitores menos informados. Um pouco de informação não faz mal, portanto inteirem-se da situação AQUI.


Voltando ao Lopes…


Ele até nem tinha nada contra o Congo, até hoje. Sempre achou que os piores malandros na terra eram os gregos. Porquê? Ele explicava.

Tinha conhecido um senhor, na sua juventude, que o impressionara imenso. Alguém que lhe contara tudo sobre as barbaridades do Império Grego. Desde então, ele ficara com uma péssima impressão sobre aquele povo. A sua indignação durara até hoje, tanto que se alguém comentava os perigos que ameaçavam a humanidade, como a camada de ozono, a economia mundial ou mesmo o futebol praticado pelo Sporting, ele interferia:

― Eu tenho medo é dos gregos...

E se alguém perguntasse porquê, ele contava com entusiasmo as atrocidades que sabia sobre os gregos (termo genérico que, para ele, incluía todas as raças do Norte da África ao Mar Egeu. Incluindo os gregos). Quando se comentavam as grandes guerras que assolavam o mundo actual, ele limitava-se a dizer aliviado:

- Pelo menos os gregos estão quietos…

E não fosse esta polémica toda e ele jamais descobriria que os gregos são angelicais, comparados aos Congoleses (ou Congos, para ele).

- Eu se vejo um acho que mato. Ai mato… Zairenses**… Pfuuu…



** Mais uma nota de cultura:

República Democrática do Congo, ateriormente denominada de Zaire. O Lopes sabe umas coisas…

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Inocência de Criança (há que perdoar)

Hoje aborreci-me logo ao chegar à obra. Ali, estendido na areia, estava um rapaz, dos seus seis/sete anos, vestindo uma camisa do Porto. E contente, ainda por cima, a julgar pelo sorriso largo. A camisa era velha, gasta pelo tempo e com as cores atenuadas pelo sol.

- Epá, que camisa é essa? Não tens vergonha? – provoquei eu.

Ele, muito sério, respondeu:

- Nada, essa camisa é bem fixe!

- Ainda és muito novo, não sabes das coisas. Bonita é a vermelha do Benfica. Vou trazer-te uma quando for a Portugal, depois deitas essa para o lixo, queres?

- Xê, não quero! O Benfica toda a hora lhe ganham, só perde, perde. Essa aqui é melhor. Podes me trazer uma nova, mas do Porto!

- Tens muito que aprender rapaz, muito… - concluí eu, perante as gargalhadas dos presentes, divertidos (eu também, confesso) com a personalidade do jovem.

E saí dali a pensar em como pode este país acreditar no seu desenvolvimento, se as crianças têm os valores tão adulterados assim...

Sacana do puto!

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Os Suínos do Mussulo

Uma das espécies mais abundantes no Mussulo é o porco. Dos pretos e peludos. São às dezenas e passeiam o seu bacon pela praia, num total alheamento e desinteresse por quem esteja por perto. Fazem parte da paisagem.

O Lopes até diz que já viu um a nadar, num dia de maior calor, o que, tendo em conta a aversão que ele nutre pelos bichos não será de estranhar. Sobretudo se pensarmos na hipótese de ter sido ele a atirar o suíno ao mar.

Desconfiado por natureza - daqueles que a primeira coisa que faz, ao ver uma mulher, é verificar se ela tem maçã de Adão, porque hoje em dia nunca se sabe - o Lopes está sempre com a impressão de que está um porco por perto. E com tal animal, que segundo ele está por ali entre a minhoca e o tubarão (na escala evolutiva), é preciso estar prevenido.

- Tome nota do que lhe digo, o porco é um animal traiçoeiro. Ficam por aí a roncar como quem não quer nada, mas sempre atentos…

Tanto que ele arranjara uma fisga.

- É que os sacanas roem tudo. Até o bambú da vedação andavam a ratar, aqui há dias. Mas vão começar a levar umas fisgadas no lombo, para aprenderem.

- Deixe lá os porcos em paz, Lopes.

- Não posso engenheiro. É que além de estragarem tudo eles sujam a obra. São uns porcos, como o nome diz, aliás.

- Mas também não é preciso apedrejar os animais.

- É só em último caso, quando o meu “Xô porco, xô daqui pra fora!” não funciona. Aí, se não obedecem levam. E é vê-los a relinchar, ou lá o que é que os porcos fazem quando estão em sofrimento. - concluiu o Lopes sorrindo, enquanto fechava um olho e esticava o elástico da sua arma, afinando a pontaria.

E desde que arranjou a fisga, lá está o Lopes, volta e meia, a espreitar por entre os coqueiros, à procura do inimigo. Mas consta que a pontaria é fraca, e o mais frequente é vê-lo a correr atrás dos porcos com o seu “xô, xô daqui, seu porco!”



Ilustrando:

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Trânsito

Cada vez que conduzo pelas ruas de Luanda perco-me nas vezes em que encolho os ombros e aceno negativamente com a cabeça, num tom de “enfim, não há nada a fazer…”

Jamais imaginei que fosse possível conduzir-se de forma tão caótica. Ninguém cumpre as regras, seja por anarquia, ou, simplesmente, porque desconhecimento de causa.

Há os que insistem em formar cinco filas de trânsito em estradas onde só há duas faixas (é assim mesmo, duas novas filas nas bermas e ainda uma outra entre as duas faixas), há os que aceleram nas passadeiras, buzinando para os peões nem se atreverem a pôr o pé (onde já se viu quererem atravessar nas passadeiras?), mas os que mais me enervam são os camiões que se passeiam pela faixa da esquerda, devagar, devagarinho, obrigando a uma gincana permanente.

E ontem confirmei porque o fazem. A caminho de casa lá encontro no caminho um camião, numa calma desesperante. Como já calculava, a via da direita estava livre e ele ia na da esquerda apenas porque sim. Como poderia ir na do meio (se houvesse), na da direita, ou até em sentido contrário, se tivesse calhado assim.

Após insistir nos sinais de luzes, sem resultado, lá sou obrigado a uma das recorrentes ultrapassagens pela direita, até que um pouco mais à frente, parado num semáforo, sou sacudido pela grossa buzina do camião. O mesmo que ultrapassara minutos atrás estava ali, desta vez já do lado direito, e o motorista queria conversar.

- Cumé, tavas a fazer sinais de luzes porquê? Tenho algum problema nos pneus, ou quê?

- Não, foi só porque você vinha muito devagar na faixa da esquerda e eu queria passar.

- Ahh… Mas se esse camião não anda mais rápido vou fazer mais como?

- Então devia ir na faixa da direita.

- Ai é? Mas qual é a diferença então? Vai andar devagar na mesma!

- Mas assim os outros podem passar, meu senhor! - disse-lhe eu, num tom entre o impaciente e o didáctico.

Ele parou um pouco e coçou a cabeça, intrigado com o que eu lhe acabara de dizer. Depois perguntou, desconfiado:

- Então e quem vier na direita, depois passa como? Não vai ser igual?

Foi então que eu percebi que não valia a pena insistir naquilo. Até porque o sinal acabara de ficar verde e a diferença entre esquerda e direita estava muito aquém do tempo disponível.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A cozinheira

Hoje houve uma pequena algazarra na obra. Uma coisa controlada, nada de dramático.

Segundo apurei, mais tarde, o epicentro daquela discussão fora uma das cozinheiras do estaleiro que, ao que parece, dividia atenções amorosas por dois dos trabalhadores. O facto não fora surpresa para o Lopes, que via novelas e sabia que aquilo era normal.

Ainda assim, quando a “esbanja amor” o serviu, à hora do almoço, ele não conseguiu evitar um aceno com a cabeça, com os cantos da boca virados para baixo, como quem diz “com que então a senhora, hã? Quem diria…”

Depois veio contar-me alguns pormenores que averiguara sobre aquele triângulo amoroso. Que ela tinha feito um feitiço qualquer e que ele só sabia que metia jindungo esmagado.

- Aquelas coisas lá das macumbas ou o que é! E metia funge também, parece…

E ele narrou-me o enredo completo daquela história, onde fiquei a saber que a cozinheira, além de feiticeira, tinha tendências ninfomaníacas, “o que explica ter enfeitiçado logo dois, não é?”. Acenei com a cabeça que era e ele continuou, dizendo-me que também já notara alguns olhares interessados da senhora. Mas ela não fazia o género dele, que gostava das mulheres mais rechonchudas “com o rabo em forma de pêra, está a ver?”. (E decididamente eu não estava a ver...)

- Até porque o Lopes não é para qualquer uma. Um corpinho cheio de recantos de lazer é só para quem eu quero. - rematou ele, ajeitando a gola da camisa.

E quando foi embora, depois de me contar toda a novela, concluíu:

- Eu realmente sempre a achei assim um pouco... – disse ele, fazendo um gesto indefinido com a mão, sem dizer o que a senhora era. Mas fosse o que fosse, era só um pouco.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Um dia de Praia

Estas coisas são complicadas. Quando o Zé Carlos disse "Que maravilha!" olhando para o mar, ninguém acreditou que aquilo era um simples louvor à natureza.

Mais tarde, já em casa, ele tentava justificar que aquela exaltação era só mesmo por causa do mar. E que não tinha culpa se, por coincidência, nesse mesmo instante a Ana Paula se tivesse levantado para reforçar o óleo brozeador pelo corpo, e “mesmo ali em frente”. E mais, ele nem sequer tinha reparado nas coxas grossas e nas nádegas redondas da Ana Paula. Muito menos no sinal ao pé do umbigo.


- Só faltou assobiares e ofereceres ajuda para passar o bronzeador. Francamente, Zé Carlos, logo tu, um homem da Igreja!

- Mas eu estava a olhar para o mar. E ele estava ali à minha frente, cheio de curvas, quer dizer, de ondas, tão bonito... Aquilo saiu-me.


Mas a Maria Celeste não quis ouvir desculpas. Serviu o ovo estrelado ao Zé Carlos – come e vê se te comportas decentemente - e foi dormir.

Na manhã seguinte os dois casais amigos voltaram a encontrar-se na praia. A Maria Celeste beliscou discretamente o Zé Carlos e disse-lhe, num sussurro:


- Vê lá como te portas, ouviste bem?


E o Zé Carlos, que não queria confusões, abriu o jornal e enterrou a cara nas notícias. Mas instantes depois, a Ana Paula (“que também é uma grande exibicionista”, diria mais tarde a Maria Celeste), levantou-se e repetiu o ritual polémico do dia anterior.

Ouviu-se um suspiro debaixo do jornal.


- O que foi? - perguntou a Maria Celeste agressiva.

- Nada, nada, é este Sporting. - disse o Zé Carlos. - Não sei, mas não estou com fé na manutenção...

- Ah, bom! - disse ela.


E o dia transformou-se num tormento para o Zé Carlos, que não podia nem tossir que todos olhavam desconfiados.


- E esses óculos escuros, Zé Carlos? Pra quê?

- Mas amorzinho, está tanto sol! Posso ferir a retina…

- Tira.

- Mas...

- Tira, Zé Carlos!




Ficção. Mais uma vez alerto que, qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.

domingo, 11 de outubro de 2009

Um paraíso chamado Mussulo...

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O horizonte de um almoço de Domingo...

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Rascunhos no Mussulo II

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O Nativo

O Lopes está cada vez mais Angolano. Segundo o próprio, já está de tal forma inserido no meio que até pensa ter origens na terra, “ali para os lados de Benguela”.

- Eu não tenho traços Africanos, assim de perfil? Diga lá com franqueza, ó engenheiro!

E colocou-se de lado, qual figura egípcia, para que eu pudesse confirmar que de Africano ele nada tinha.

- Olhe que não Lopes...

- Você está com má vontade, caraças! Veja lá bem, aqui assim ó, na parte do nariz.

- Talvez… - disse eu, não querendo retirar-lhe a empolgação de se considerar nativo.

O que é facto é que ele, podendo fisionomicamente nada ter de Africano, já se desenrasca e age como tal. Hoje, vejo-o chegar à obra com o carro cheio de gente.

- Lopes, que malta é esta?

- Eu sei lá! Iam pedindo boleia e eu ia recolhendo os gajos pelo caminho. Só lhes dizia é: “eu não faço paragens, descarrego todos no mesmo sítio”, mas eles aceitavam na mesma.

Abanei a cabeça e fiz-lhe ver que deveria evitar aquelas situações. Primeiro, porque não tinha autorização para isso, segundo porque podia até ser perigoso. Ele não sabia quem eram aquelas pessoas.

E naquele instante eu pensei que ela era, realmente, corajoso ou inconsciente. Aqueles tipos podiam ser bandidos, assassinos, ou, na pior das hipóteses, até podiam ser portistas, sei lá…

Ele concordou que deveria, de facto, ter mais cuidado. Mas ele era assim, um caridoso, o que poderia fazer? Talvez ser mais ajuizado, não é Engenheiro? Seria um bom começo, sem dúvida, concluí eu.

E preparava-se para me virar costas, mas antes insistiu:

- Não, mas repare bem, a sério. Aqui estas feições, veja, talvez ali da zona do Huambo, não?

sábado, 3 de outubro de 2009

Porque uma obra com uma vista assim...





... é só para quem merece!

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Evolução das Espécies

As mulheres gostam de pensar que o homem está sempre uns passos atrás no processo evolutivo. Concordo. Eu acho que é um macaco que não resultou, um equívoco da evolução. Uma vez perguntaram ao Darwin sobre o homem e ele tossiu, fingindo que procurava uma caneta debaixo da mesa.

Mas o homem esforça-se por não chamar a atenção do erro (“se nos descobrirem, extinguem-nos!”) e lá vai disfarçando as suas limitações.

E talvez por isso, ao contrário das mulheres, ainda sejamos capazes de surpreender. Senão, vejamos o Lopes, que eu julgava não poder ser pasmo maior. Descobri hoje que por trás daquele ar de quem só espera que lhe peçam uma opinião, existem algumas veleidades culturais (“alguns poemas que um dia me mostrará”).

- O último que escrevi chama-se: "O que fazem os pirilampos de dia?"

Perante os factos, acho que só pode ser uma mulher a presidir ao comité de controlo das espécies. Só assim se entende a insistência na experiência.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Hoje em dia...

Um jovem amargurado (a namorada trocou-o por uma relação virtual de nome "Gostosão_22") caminha pela rua murmurando contra a vida e o mundo. Cruza uma esquina e avista uma jovem, calças justas da Salsa, cabelos longos e lábios carnudos. Tal era o seu gingado, que ele teve dificuldade em acreditar que aquilo que ela fazia com as pernas se chamava andar.


(15 minutos depois)


Os dois amam-se loucamente, rolam pelo chão, ele beija o corpo dela, ela pede para ele continuar e ele, motivado, continua. Depois, vestem-se e abrem a porta do apartamento dele. Entram. Lá dentro eles tiram a roupa novamente e voltam a rolar pelo chão, com mais beijos e mais grunhidos.

Depois do suor ele pergunta:

- Um cinema mais logo, talvez?

- Hummm... Como é o teu nome mesmo?

- João.

- Pois é, João. Não penses que eu sou assim fácil, ok? Quem sabe um café e olha lá...


E o João, que queria pegar na mão dela no escuro do cinema, pensou: "Lá se foi o romantismo..."


Recado fictício. Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Rascunhos no Mussulo

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Novelas

Tenho para mim que os angolanos são dos povos mais apaixonados por telenovelas. A reportagem que se segue demonstra bem o porquê da minha suspeita:

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Mulheres e Política

A confusão iniciou-se quando alguém comentou que achava a Manuela Ferreira Leite atraente. Ouviram-se ruídos de indignação (eu próprio fiquei chateado), outros abanaram a cabeça negativamente, mas ninguém concordou com aquilo.

Aquela confissão tinha caído mal, correndo até o risco de ser indigesta.

O Lopes chegou mesmo a pegar no prato e a ensaiar uma saída da mesa. Não estava ali para ouvir aquelas coisas. Acabou por ficar, em respeito ao bolo de banana que havia para a sobremesa. Mas ficou perturbado, afinal de contas “um gajo não vem de férias para levar com estas anedotas”. E tomou as rédeas da conversa:


- Sabes lá tu o que é uma mulher atraente. Olha, por exemplo, aquela espanhola que andou com o Cristiano Ronaldo. Isso sim! E tem os seios assim como eu gosto, um de cada lado. – e exemplificou com as mãos, no próprio peito, o formato dos seios que lhe agradavam.

- Ah, isso sim, isso sim! – concordou de imediato o Sr. Jorge, passando a língua pelos lábios, não se sabe se saboreando o almoço ou os seios descritos pelo Lopes, ainda que implícitos no ar.

O Sr. Vitor também concordou que aquilo sim, era mulher, ao que o Lopes concluiu com um “pois”, fazendo em seguida um silêncio cheio de “eu não disse”.

Depois, e já devorando o bolo de banana, fez a sua análise política, onde vaticinou que a “Manuelona, cruz credo” (e benzeu-se) jamais terá hipóteses. Faltava-lhe um “quissá, quissá” (eu também não percebi, mas ele pareceu saber do que falava) muito importante nos políticos. E, em cinco minutos, o Lopes desfiou ali o panorama eleitoral do país. Quando não tinha resposta para alguma questão mais pertinente da plateia, dizia apenas:

- Bem, há por trás disso muito mais do que imaginam… É melhor nem irmos por aí…

Entretanto, a hora do almoço esgotou-se e o primeiro a sair do refeitório foi o causador da polémica. Antes de sair, virou-se para o Lopes e provocou-o:

- A Manuela é bem boa, ó Lopes! – e depois saiu, rindo e fechando a porta atrás de si.

O Lopes não teve tempo de responder, mas fez um gesto expressivo “é boa aqui, ó”.

sábado, 19 de setembro de 2009

Chinês Bailarino

Já aqui disse, anteriormente, que ao ritmo com que se têm desenvolvido, rapidamente os chineses tornarão o resto do mundo obsoleto. E eles são cada vez mais. Reproduzem-se exponencialmente (isto em termos de escala, porque o método continua a ser o mesmo), tanto que quando acabarem de ler este recado já terão nascido mais uns quantos milhares (e ler mais rápido não vai adiantar em nada).

E mais certa é a teoria se observarmos a enorme capacidade de adaptação destes mamíferos a novos meios. Por cá, onde também abundam, eles inserem-se no meio e nos costumes como ninguém. Senão vejam o vídeo abaixo, gravado num musseque de Luanda, onde um Chinês mostra os seus dotes de bailarino. A dança é o milindro, nova moda em Angola.


sexta-feira, 18 de setembro de 2009

O Panguila

Saía do estaleiro para a obra, quando sou interpelado pelo Sr. Jorge.

- Vai à obra?

- Sim, vou. Precisa de alguma coisa?

- Já agora fazia-me um favor. Estou farto de ligar para o encarregado mas ele não me atende. Deve ser por causa do barulho. É o seguinte, preciso que mandem cá vir um dos trabalhadores para assinar uns papeis do seguro.

- Não há problema, eu trato disso. Como se chama o homem?

- Panguila.

- Hum?

- Pan-gui-la! – repetiu o Sr. Jorge sorridente. E rematou: - Ah, nome do caraças!

Por via das dúvidas ele escreveu-me o nome num papel, e lá fui eu para a obra, à procura do Panguila.

Lá chegando, arrisco e pergunto ao primeiro trabalhador que encontro:

- Você é o Panguila?

Respondeu-me secamente que não e baixou o olhar. Não ser o Panguila parecia ser um facto com o qual já se conformara há muito tempo.

- E sabe quem ele é?

A resposta negativa veio num mero encolher de ombros. Estava calor, e falar, parecendo que não, até cansa. Assim como trabalhar. Talvez por isso eu o tenha encontrado sentado num tijolo. Com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos dando assento ao queixo, lá estava ele, fitando o horizonte.

Segui na minha tentativa de encontrar o Panguila. Mas encontrei primeiro o encarregado geral, o Sr. Vitor. Dele ainda não vos falei, talvez por ter faltado oportunidade. É um homem metódico e que não gosta de perder o controlo. O único na obra que é adepto do Sporting. Acho-lhe piada, também por isso.

- Ouça, preciso que um tal de Panguila vá lá ao estaleiro falar com o administrativo. Há lá uns papeis quaisquer para ele assinar. Sabe quem é?

- Sei. Ó PANGUILAS! PANGUILAS! ANDA CÁ ACIMA, RÁPIDO! – gritou ele para o meio da obra. É curioso como certas pessoas, sobretudo as de mais idade, têm dificuldade em pronunciar qualquer nome que saia da esfera dos habituais. Tudo que não seja João ou José já dificulta o chamamento e o melhor que conseguem é uma aproximação. No caso, o plural foi o possível. Mas também Panguila era de mais…

Dois minutos bastaram para que o homem, que eu julguei ser o Panguila, aparecesse à nossa frente. Mas logo percebi que aquilo não ia ficar por ali.

- O que foi? Eu chamei o Panguila, que queres tu? – perguntou o Sr. Vitor.

- Ele não pode vir, me mandou só em representação.

- Mas o que é isto afinal? Andamos a brincar às obras? – irritou-se ele.

- Mas…

- Nem mas, nem meio mas. Ele que venha e é já! – deliberou o Sr. Vitor, com cara de assunto encerrado.

Mas o outro não se moveu. Ficou ali, insistindo no seu papel de representante do Panguila, o original.

- Está a ver? É isto que eu aturo. Eu vou lá buscá-lo porque senão nem amanhã.

Eu disse que sim, também achava melhor.

- Não vale a pena irem lá. O Panguila está a dormir!

Ao ouvir tal revelação, o Sr. Vitor, que já se dirigia em busca do outro, deu meia volta e ficou a olhar para o representante. Com as mãos na cintura como se esperasse uma explicação. Como estava a dormir? Assim, sem mais nem menos? No horário de trabalho?

- Porque é a vez dele, Mestre. Nós combinamos fazer turnos. Uma hora eu faço o meu trabalho e o dele, enquanto ele dorme. Depois trocamos.

Eu confesso que já pouco me vai surpreendendo por cá, mas cada novidade é sempre um aprendizado.

O Sr. Vitor, refeito do choque, suspirou tão fundo que os níveis de oxigénio baixaram em todo o quarteirão. No fundo, sabia que hierarquicamente era ele o responsável por todos os Panguilas na obra. E o facto de um estar a dormir requeria uma explicação. Mas disso falavamos depois. O importante agora era ir acordar o Panguila.

Pouco tempo depois, o encarregado lá trouxe pela mão o Panguila original, ainda ensonado. Mandou-o ao estaleiro e ai dele que não chegasse lá em cinco minutos.

Depois virou-se para o outro:

- E não penses que por este estar acordado agora vais tu dormir. Vai mas é buscar o carrinho de mão e enche de areia. E já!

Eu dei a minha volta pela obra, acompanhado pelas lamúrias e explicações do Sr. Vitor. Era um homem rigoroso, eu sabia, mas havia coisas que não conseguia controlar e já andava a ficar cansado daquilo. E que eu não imaginava o que custava pôr aquela gente a trabalhar a sério. Disse-lhe apenas que, “se isto fosse fácil, estavam cá outros, não o Sr. Vitor”. Ele sorriu, vaidoso, e prometeu ter mais paciência e atenção “à rapaziada”.

Quando voltei ao estaleiro lá estava o Panguila, sentado em frente ao Sr. Jorge, tratando dos seus assuntos:

- Pan-guy-la! É com “ipsilone”, senhor.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Aqui fica uma reportagem da Rede Globo que, no fundo, retrata bem o caos diário da cidade de Luanda e a tal capacidade de improviso, de que já vos falei aqui...

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Transporte Colectivo

Se há coisa que os Angolanos têm para dar e vender (mais vender do que dar, porque o negócio corre-lhes nas veias) é a capacidade de improviso. Um pouco, aliás, à semelhança dos Portugueses. Herança de quem para quem, eis a questão. Mas o que importa é que nisso, ambos são muito parecidos.

A diferença reside, apenas, no facto de o “desenrasque” do angolano ser mais apurado, fruto das maiores dificuldades e carências do seu meio.

Por cá, a pergunta “Vamos fazer mais como?” tem sempre resposta, ainda que tardia. O método pode não ser o ideal, mas desde que sirva a necessidade…

Com tudo isto, não é de estranhar imagens como estas nas estradas Angolanas.





Conseguiram contar as pernas todas?

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Gasosas Normais

Seguíamos pela Mutamba, em direcção à Ilha, quando, após uma curva à direita, lá estava um braço erguido no ar, convidando-nos a parar. Em simultâneo, ouviu-se ainda um apito estridente, não fossemos nós não perceber o significado do gesto autoritário.

O Sr. Agente, de farda impecável e luvas brancas, dirige-se ao vidro do condutor, que era o Sr. Jorge. Numa amabilidade que, para os mais distraídos até podia parecer desinteressada, ele diz:

- Bom dia Sr. Condutor, peço desculpa por incomodar, mas podia, por favor, facultar-me a sua documentação e a da viatura?

Esta deve ser das frases mais ouvidas em Luanda, perdendo apenas para o “Xê, não há água outra vez!”

Após receber a documentação, o agente olhou para o Sr. Jorge como se tivesse acabado de tirá-lo do nariz.

- Esses documentos são seus? É você mesmo nessa foto aqui?

- Sim, são. Era um pouco mais novo só. E mais magro talvez…

O olhar do polícia ia alternando, repetidamente, entre a foto no documento e a cara do Sr. Jorge. E assim ficou, nesse reconhecimento, durante cerca de 2 minutos. Por fim, ainda que não parecesse muito convencido, continuou:

- O senhor sabe que não podia virar ali, não sabe?

O Sr. Jorge fez um ar surpreso, colocou a cabeça do lado de fora da janela e olhou para trás, procurando o motivo da infracção. Fez-se de ingénuo:

- Onde, Sr. Agente?

- Onde mais? Ali mesmo de onde você veio. É proibido e, desta vez, o sinal até está lá.

E de facto estava. Não era mais uma das tentativas desesperadas dos polícias, na busca de um motivo para a gasosa. Desta vez o sinal estava mesmo ali, colaborando com a autoridade (ou com a gasosa).

- Epá, peço desculpa mas não vi mesmo o sinal. – Apoiando a testa na palma da mão ele continua: - Vinha distraído e perturbado com uma notícia triste que recebi há pouco. Não vi mesmo.

Eu olhei para o Sr. Jorge e pensei que a Angolanização faz-se rápido. Ouvindo aquele discurso de desculpabilização, tão convincente quanto falso, o Sr. Jorge parecia um autêntico nativo, completamente envolvido nos “esquemas”. Mas não lhe valeu de muito.

- Isso são “makas”* suas. Vou mesmo ter que lhe passar uma multa. A multa são cem mil…

A quantia foi dita lentamente, com um discurso arrastado, dando a entender que havia espaço à negociação. Os cem mil seriam apenas o pior que poderia acontecer.

- E não podemos resolver isto de outra forma, Sr. Guarda? (esta é outra das frases no top 10 das mais usadas em Angola)

- Ai, ai, ai! Mas quando é que isto vai acabar, afinal?

Após a pergunta retórica, cheia de moralismos, os documentos são devolvidos ao Sr. Jorge com um papel extra, entre eles. Uma folha de caderno quadriculada, que estava ali, no meio da carta de condução, por algum motivo.

- Devolve-me só o meu papel que entreguei por engano. Mas coloca aí um recheio para não ter que te passar a multa, ya?

E o papel lá foi entregue ao guarda, recheado com dois mil kwanzas.

"Antes isso que os cem mil", terá pensado o Sr. Jorge. “Isto nunca vai acabar” terá pensado, por seu lado, o Sr. Agente. Até porque não convém.

* para quem não sabe, "maka" significa problema.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Teorias

- Ouça, Angola tem um potencial de desenvolvimento fantástico. Este povo com um pouco de carinho e paciência chega lá.

- Não sei...

- Ai chega, chega! E ainda rebocam a África toda atrás. Só não sei é se ainda vão a tempo.

- Então porquê?

- Porque isto tudo, um dia, vai acabar. Os gajos dizem que é no ano 2000 e qualquer coisa, resta saber qual. Vem uma bolota gigante lá do espaço, ou o que é, e pimba, rebenta com isto tudo.

- E acredita mesmo nisso, ó Lopes?

- Então não? Veja os americanos: já andam a plantar cenouras na lua e a ver se conseguem fazer chover por lá. Eles não andam a dormir como nós. Quando aquilo começar a dar grelos e “legumada” com força eles mudam-se. Isto começa a rebentar e já eles estão a fazer-nos adeus lá de cima. A cenoura numa mão e a outra a dar um “xauzinho”.

Não contive uma gargalhada bem disposta, na qual o Lopes rapidamente me fez companhia, divertido com as próprias teorias.

- Pois é, isto um dia acaba tudo e acho que os feios vão primeiro à vida! – disse ele, no meio da última gargalhada.

Nisto, passa por nós um dos serventes da obra:

- Este, por exemplo, tá lixado que nem um minuto dura. Olhe bem para aquele focinho! Jesus!!!

Mas o servente, que tinha de facto uma cara hedionda, como alguns crimes, não ouviu e seguiu caminho.

Mas ficou a teoria.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Matias: o Louco

Hoje, a meio da manhã, dirigi-me a um pequeno café que fica perto do estaleiro para comer qualquer coisa. Apesar de já ter reparado no estabelecimento, várias vezes, esta era a primeira vez que ousava lá entrar.

O interior era agradável, muito ao estilo do típico café português, com quatro ou cinco mesas dispostas em frente ao balcão. Nas paredes, quadros com motivos tradicionais Angolanos davam um colorido extra ao lugar. O cheiro era agradável, não o sei identificar, mas era bom.

Atrás do balcão, emoldurado por frutas de todos os tipos, como numa alegoria tropical, estava o dono do bar. Tão integrado no cenário que a sua cara também parecia, ela própria, uma fruta. Um abacate, talvez.

Pedi uma sandes mista e um sumo de caju e sentei-me numa das poucas mesas. Logo ao entrar já havia notado a presença de uma figura caricata, entre as demais. Mas foi a sua proximidade que a revelou totalmente.

- Deixa o senhor em paz, Matias!

Foi o que o dono do bar gritou quando ele se aproximou da minha mesa com o copo vazio numa mão, arrastando a sua cadeira com a outra.

Fiz um sinal de "tudo bem" para o dono do bar e o homem de meia idade, de cabelo despenteado e a cara amarrotada, sentou-se à minha frente, depois de empurrar as outras cadeiras da mesa.

Eu sorri-lhe, precavidamente, como se sorri para um possível louco, antes de se ter a certeza. Os restantes clientes não lhe prestavam muita atenção, pois já o deviam conhecer há muito tempo.

Ele examinou o meu rosto, com os seus olhos carregados de álcool, por um longo tempo. Como se ponderasse se eu merecia dialogar com ele, ou não. Depois olhou para o meu sumo de caju e fez um ruído qualquer de rejeição, sem abrir a boca.

— Que idade você tem?

Confessei-lhe a minha idade e ele fez outro som de desprezo.

— Hum! Com essa idade você não sabe de nada, mas é.

— Matias! — gritou o outro, de trás do balcão. — Deixa o senhor em paz.

Pelo seu tom, deduzi que aquilo era frequente. O Matias devia incomodar todo os novos clientes. Mas ele não deu importância às advertências. Perguntou:

- Sabe quantos anos eu tenho?

Como eu não sabia ele insistiu na teoria de que eu era um leigo:

- Você não sabe mesmo nada.

Ele levantou a mão direita com os dedos esticados e, usando o indicador da outra mão, bateu nos dedos abertos e contou:

- Um, dois, três, quatro, cinco. Tenho cinco anos.

Eu disse qualquer coisa como “Ai, sim?”, esforçando-me para não me rir. Nesta fase já tinha a certeza que ele era realmente louco.

- E você sabe quem é o dono disto tudo? – perguntou-me ele, girando o indicador no ar, para me definir o que era o tudo.

- Não sei. Quem é?

- Mas o que você sabe afinal?

Ele suspirou e olhou para o ar, desesperado com a minha ignorância. Era inútil, eu não tinha solução. Por instantes ele ficou com o olhar preso no tecto, como se decidisse se valia a pena continuar. Depois procurou o dono do bar e chamou-o. Precisaria de uma nova dose de álcool para me aturar.

Voltou a abrir a mão na minha direcção. Ia repetir a lição.

- Cinco. Tenho cinco anos e o dono disto tudo sou eu. Só estou à espera que o Pai Grande morra para assumir o lugar. Perceba, a morte às vezes traz alegria para uns, enquanto os outros só choram. – disse ele, sorrindo pela primeira vez.

Conheci os seus dentes amarelos e o seu lado filosófico ao mesmo tempo.

Até acabar a minha sandes ele ainda teve tempo de me explicar como tinha morto o Savimbi, quando tinha três anos. Eu não sabia, pois não? Pois bem, a verdade é que um tiro certeiro tinha sido suficiente. Depois ainda lhe deu dois beliscões “naquele nariz grandalhão” só para garantir.

Levantei-me para sair. Antes, porém, ele quis “conhecer o meu nome”.

- Ricardo. Foi um prazer.

Ele pensou. Fungou.

- Nem por isso.

E virou-me costas, chateado com a minha ignorância.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Entretenimentos

Quando os dias estão mais aborrecidos a minha descompressão habitual é uma volta pela obra, onde aproveito para uns minutos de conversa com Ele. Não com Deus, mas ele também merece o “E” maiúsculo...

Debatemos vários assuntos, onde fiquei a saber das suas dificuldades em aceder à internet no alojamento, tanto que eu até podia meter uma cunha, sei lá, para ver se instalavam mais computadores ou uma coisa assim. É que havia fulanos que ocupavam a net por horas e horas, sem fazer nada de produtivo, inclusive, e Ele já tinha visto, alguns entravam lá em situações de sexo e não sei o quê, e Ele que queria trabalhar não podia. Não era justo, pois não?

Após concordar que não era, de todo, pergunto-lhe:

- E sendo assim, o que costuma fazer nos tempos livres?

Retirando o capacete e colocando-o debaixo do braço, Ele penteia-se com as mãos e ajeita os óculos no nariz, antes de falar. O pequeno ritual, acompanhado do sorriso de malandro, fazia adivinhar que iria proferir algo que o envaidecia:

- Repare, eu felizmente tenho uma figura jeitosa. Os meus pais sabiam bem o que andavam a fazer e, como tal, é natural que não passe despercebido. Portanto, olhe, arranjo entretenimento com facilidade e não preciso de andar aí com bonecas, como alguns. Vou ao musseque onde tenho lá umas quantas namoradas e passo lá uns momentos de relaxamento. – Rematou ele, sempre com o tal sorriso inicial.

E foi assim que fiquei a saber que, segundo Ele, enquanto uns ocupavam a net e outros se entretinham com bonecas insufláveis, em substituição das mulheres (embora há quem defenda que a boneca não é uma substituição, mas um aperfeiçoamento), Ele passava os seus tempos livres em plena actividade no musseque.

No fim disse-me que, no entanto, e por muito que lhe custasse, teria que parar com essas coisas. Queria subir na carreira e tinha que se dedicar a 100%, pelo não podia ter nenhuma distracção. Muito menos a Francisca com os seus mamilos tipo amendoim.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Mito ou Verdade

Aqueles que têm acompanhado os recados desde o seu início, certamente se lembrarão daquele famoso programa de rádio com o qual o Sr. Francisco se indignou (os novatos podem lê-lo aqui).

Pois é, ontem ao final do dia, no caminho para casa, tive a felicidade de apanhar novamente a emissão no ar (parece que o dito programa afinal é diário). A questão do dia era, como suspeito deva ser sempre, deveras pertinente:

Seria mito ou verdade que, quando um homem tinha furúnculos na pele, isso significava que havia engravidado alguém?

Dentro do carro eu e o Sr. Jorge trocámos um olhar divertido e ele abriu-me os braços como quem diz: “é destas coisas que eu gosto em Angola”. Depois, enquanto finalizava a sonora gargalhada, levantou o volume e ajeitou-se no banco para descobrir se a história dos furúnculos era mito ou verdade.

E o primeiro ouvinte ligou:

- Boa tarde Patrícia (a locutora chama-se assim), olha, eu estou cheio de furúnculos no rabo, logo deve tar a vir aí mais um puto.

- Ai meu Deus, caro ouvinte, o senhor não pode usar esse vocabulário na rádio, pelo menos a esta hora. Temos crianças a ouvir!

- Epá, mas tenho mesmo, no lado direito do rabo.

- Mas o senhor gosta mesmo de especificar! Então e diga lá, acredita que isso quer mesmo dizer que vai ter um filho?

- Pois claro que sim, quem mais é que ainda tem dúvidas disso? Na primeira gravidez da minha esposa também foi assim. Apareceu o primeiro furúnculo e eu disse-lhe logo: “Vai mas é ao hospital que vai nascer alguém aí”. E eu tinha razão. Mais, já ouvi um doutor qualquer explicar que isso é um fenómeno físico natural.

Não consegui ouvir mais opiniões porque o Sr. Jorge teve um ataque de riso incontrolável. Mas agora que sei que o programa é diário, hoje vou tentar não perder!

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Nudismo em Angola

Já não me recordo a que propósito (e nem deve interessar para o caso) mas comentava-se hoje, ao almoço, que qualquer dia começa a surgir a moda das praias de nudismo, aqui em Angola. O defensor da tese (que não era o Lopes) alegava que cada vez eram mais os apreciadores desta forma leve e naturalista de aproveitar os extensos areais Angolanos. Segundo ele, o movimento só não tinha mais praticantes por medo de repressão e falta de estímulo. E entusiasmado ainda acrescentou que, ele próprio, já tinha experimentado “lá numa praia bem deserta em Cabo Ledo” e a sensação era boa. Tanto que aconselhava, mas com repelente.

A ser verdade a teoria (o que eu desconfio), já imagino a novidade a passar de boca em boca e a moda a instalar-se “na banda”. Serão muitos os casais a convencerem os amigos das vantagens e prazeres de uma vida pura, embora às vezes só estejam interessados em saber se a comadre é mesmo uma loira natural.

No final do almoço não pareceram ser muitos os convencidos, mas o Lopes sugeriu que se engordasse mais um ou dois quilos ainda arriscava. Até porque ele sabia o que eram as maravilhas de andar nu, só que agora estava muito magro e assim não dava.

E a título de curiosidade, cá fica a imagem do final de dia numa praia de nudismo em Angola…


terça-feira, 1 de setembro de 2009

O Regresso

Após uns dias de merecido descanso, cá estou eu, de novo, envolto na poeira e no calor Angolano.

Para os que tinham saudades e anseiam por notícias, informo que já estive com o Lopes que se encontra bem. Está um pouco "extasiado e afagado", segundo o próprio, mas o que o "cobre de vaidade" é que a obra está a correr tão bem que "é o lobbys da empresa em Luanda". Aquilo ficou-me na cabeça, não só porque a obra, dadas as condicionantes geográficas, não está a correr assim TÃO bem (pelo menos para o nosso grau de exigência), mas sobretudo porque não consegui encaixar aquele "lobbys" no contexto. Ainda mais no plural. Ter-se-á ele baralhado nos estrangeirismos , ou qualquer coisa do género? Não sei, o Lopes tem esse seu lado filosófico indecifrável.

Optei por não questioná-lo mais.

- Você precisa é de férias, Lopes!

- Eu ando cansadinho de todo, ó engenheiro. Xiça!! Mas dia 15 deste mês lá vou eu. A minha mãe já me ligou a dizer que o melão em Almeirim este ano está uma maravilha. E diz que eu mereço! As mães são uma coisa...


Enfim, estimo, com heróico optimismo, em cerca de 15 dias a minha readaptação total.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Absentismo em Angola

Absentismo e Angola é como ser Benfiquista e feliz, uma conjugação perfeitamente normal. Diria até que é uma questão cultural, praticada por 90% (vá, 85%) da população, sendo que o motivo mais frequente para esta elevada taxa é simples: a preguiça. Tirando isso só se falta ao trabalho por outros dois motivos: por tudo e por nada.

Lembro-me que, no início da minha jornada Angolana, alguém me fez a seguinte pergunta (sim, foi o mesmo de sempre, o Lopes):

- Precisamos de dez homens para fazer o trabalho amanhã, quantos mando vir?

A pergunta parecia-me tão descabida que a resposta saiu-me pronta:

- Que tal dez, não?

- É pouco. Têm que ser mais.

- Mas não me disse que precisava de dez homens?

- Mas afinal há quanto tempo está cá em Angola?

- Há pouco, mas porquê?

E o Lopes sorriu com tristeza abrindo os braços como quem diz "É difícil conversar com leigos...".

Depois explicou-me que, dado o elevado grau de absentismo por estes lados, era sempre preciso pedir mais mão de obra do que a realmente necessária.

Acordámos, então, que pediriamos doze homens. Provavelmente apareceriam oito ou nove e já desenrascava.

***

Outro tipo de absentismo é o praticado em “part time”. O pessoal aparece de manhã e quando o calor começa a apertar há sempre um óbito. E é rigoroso, a temperatura passa dos 30º e nunca falha: alguém morre! Alguns são apanhados em flagrante:

- Então não é que a mãe do gajo já é a segunda vez que morre este mês? Eu disse-lhe “Ó Sá, assim não pode ser! Vamos lá a espaçar mais essas mortes…” - relatava-me o Lopes, coberto de indignação.

Não há planeamento que resista e, perante tudo isto, se me perguntarem quando acaba a obra eu tenho a resposta exacta:

- Sei lá...

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A culpa é de Deus

Deus experimentou, tirou daqui e pôs acolá, moldou, desfez e refez, até que criou a mulher. De seguida, já cansado (porque a perfeição cansa), resolveu criar o homem e a fadiga fez-se notar no resultado. Duvidou se havia de dar vida ao projecto, mas decidiu arriscar. “A espécie há-de evoluir”, pensou.

E desde então temos tentado melhorar e até acho que temos feito um bom trabalho, apesar de alguns insistirem em remar contra a maré. Começo a animar-me com o facto de que nós, homens, até temos salvação, mas logo entra o Lopes no contentor para me retirar toda a esperança.

- Acho que fiz merda. – atira ele. E fica a olhar para mim, ansioso, como alguém que atira uma moeda a um poço e espera o “plim” no fundo.

- O que foi desta vez Lopes?

- Rompi a conduta de água. Está para ali uma cascata que é uma coisa doida. É preciso você mandar cá vir alguém reparar aquilo urgentemente.

Provavelmente influenciado pela cara que eu fiz, fez uma pausa e continuou:

- Vendo bem nem é assim tão grave, com o calor que está aquilo seca rápido.

É incrível a facilidade que o Lopes tem em minimizar os problemas. Sem grande dificuldade, consigo imaginá-lo na Guiné, na manhã seguinte ao massacre, a dizer à viúva do Nino Vieira: - Mas fora isso Senhora, que tal foi a noite?

- Claro que é grave Lopes. Primeiro porque essa conduta abastece o Palácio, segundo porque não está assim tanto calor e a obra vai ficar um pântano.

- Então tem que mandar cá vir alguém que eu não sei arranjar aquilo.

E antes que eu pudesse dizer alguma coisa ele saiu, mas antes de fechar a porta virou-se e disse:

- Desculpe lá, foi sem querer. Entusiasmei-me com o trabalho e descuidei-me.

Depois de chamar alguém para a reparação tive um último pensamento:

- Que raça, meu Deus! (E consta que Deus encolheu os ombros resignado…)

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Soares, o galã

Uma manhã no Serviço de Migração e Estrangeiros (SME) é qualquer coisa deste género:

Motivado pelo conselho que me haviam dado, chego o mais cedo possível ao local. Mas o mais cedo possível já parecia demasiado tarde, tendo em conta a quantidade de gente que já lá estava. Entre elas a pessoa que me iria acompanhar e que me recebeu dizendo que já tinha tratado de algumas questões burocráticas, tanto que o meu nome já estaria na lista para que fosse um dos primeiros a ser chamado.

- Mas que questões burocráticas?

- Epá, tenho uns parentes aí dentro do SME que almoçam todos os Domingos lá em casa. Assim devem-me uns favores e eu fui cobrar. Passaste já à frente de uns quantos que dormiram aí na fila. Aqui é assim, temos que “ser vivos”!

E aquele lugar estava cheio de “vivos” que tentavam, de todas as formas, furar a ordem de chegada e a presumível organização. Eu próprio, indirectamente, era um deles.

Sentei-me, então, num dos bancos à espera de ser chamado e fui observando o ambiente. Ao meu lado sentou-se um senhor que foi-se logo apresentando e iniciando diálogo:

- Sou o Soares. Então, muita gente aqui, né?

- Prazer, Ricardo. Sim, muita.

- A sua vez, vai demorar ou tá nos primeiros da lista?

- Acho que não vai demorar muito, e o senhor?

- Eu? Não… Eu só vim aqui para me sentar um pouco e ver o ambiente, não vim tratar de nada! Mas como não tinha mesmo nada para fazer... E às vezes aparecem umas damas fixes!

Fiquei surpreendido com aquela resposta, ou se calhar nem tanto assim. Angola está cheia de gente sem nada para fazer, que apenas vai vivendo o dia a dia, seja nas ruas ou no SME. Não são vagabundos, são disponíveis. Fazem parte da enorme reserva de mão-de-obra ociosa da nação, à espera de ser chamada. Só não vão atrás de trabalho, que isso já é pedir demais. A nação que venha buscá-los. E enquanto a nação não vinha, o Soares enchia as suas horas vagas, que eram todas, a observar as movimentações no SME.

No meio da enorme agitação e barulho, de quando em quando ouvia-se um assobio do Soares, a cada vez que uma mulher passava por nós.

- Essa tá meio acabada, mas ainda tem um restinho pra estragar…

O homem, que devia estar na casa dos 40 anos, naquela idade crepuscular onde o espírito está disposto mas a carne já duvida, ia avaliando cada ser do sexo oposto que o seu raio de visão captava.

Entretanto começara a chamada para o atendimento. A mesma era feita por um dos funcionários que percorria a lista de nomes em voz alta. Mas antes avisou:

- Não vale a pena virem aqui tentar furar a organização. Quem estiver de pé não vai entrar. Só quem eu vir bem sentado, a levantar e a caminhar até aqui é que vou autorizar a entrar.

A revelação fez com que os últimos dissidentes procurassem uma cadeira livre. Como estas já eram escassas, alguém vociferou para o ar:

- Tem muita gente que não vem cá tratar de nada e fica a ocupar o lugar de quem tem muito que fazer. Assim não pode ser!

E o Soares de assobio em assobio…

Os nomes iam sendo gritados e as pessoas entrando, após verificação da documentação. Quando a foto correspondia à figura presente a ordem de entrada era dada. Alguns não escapavam, contudo, ao comentário do funcionário:

- Porra, você é bem feio! Cuidado pra não assustar os meus colegas lá dentro!

E depois de uma gargalhada apressada lá continuava com a chamada, alternando entre cidadãos estrangeiros e nacionais.

O tempo ia passando e a inquietação de quem estava farto de esperar ia começando a sentir-se, mas logo rebatida com amuos.

- Com essa gritaria não chamo mais ninguém. – e cruzava os braços como uma criança ensaiando uma birra.

Contrariada, a multidão calava-se novamente, resignando-se à espera.

Já perto das 11 horas o meu nome lá surgiu e eu entrei. Antes o Soares, com um tom ligeiramente desapontado, disse:

- Xiii, vais embora agora? Vais perder... Ao meio dia é que costumam chegar as damas melhores. Cada uma que até o coração canta!!!!

Mas eu só queria ir-me embora. Pus a impressão digital no documento (que garantia as minhas férias) e fui!

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Gripe A

Após reunião difícil com um subempreiteiro local, para fecho de contas, seguiram-se uns momentos de descompressão. A conversa animada abraçou vários assuntos até que foi ter à tão badalada gripe A (por cá continua a ser suína):

- Epá Engenheiro, lá na tua terra estão bem aflitos com o “mambo” da gripe dos porcos, né?

- Acho que sim Sr. Adão, pelo que tenho ouvido há alguma preocupação. Todos os dias aparecem casos novos.

E o Sr. Adão, com um ligeiro sorriso de troça, ia abanando a cabeça negativamente.

- Vocês tugas não sabem mesmo nada. Vou-te dar uma dica: aqui em África nós tratamos essas gripes todas bem rápido. Sabes como?

Eu não sabia mas a curiosidade era muita.

- Pois bem, pegamos em Marijuana e esfregamos bem até ficar em papa. Depois juntamos bué de jindungo, do nosso, e já está. É só dar de comer aos porcos, eles ficam ali a transpirar à toa, alguns tossem e tudo, e a gripe vai embora. Não vale a pena virem com teorias, aqui sempre se tratou assim. Já na Nigéria…

Tive que o interromper porque percebi que a conversa ia divagar por vários países e o meu tempo era curto. Mas para vocês que aí estão no epicentro do surto, fica a ideia...

P.S. - Para quem precisar, dia 14 levo um pouco de jindungo daqui!

terça-feira, 28 de julho de 2009

Leituras

Agradeço desde já à mamuska o envio do livro "Jesusalem", do Mia Couto, que veio colmatar uma lacuna nas minhas horas pré-sono.

Ao chegar a Angola readquiri um velho vício: não dormir sem ler alguma coisa antes. E até vim prevenido com alguma literatura, mas com tantas noites cá passadas já a tinha esgotado há muito.

E como um vício é sempre um vício, que tem que ser saciado, já me ia deparando com problemas para encontrar o que ler. As revistas antigas que fui encontrando pela casa foram a salvação por estes dias. Algumas tão antigas que a Ana Malhoa devia ser virgem à data.

E quando também as revistas se esgotaram cheguei quase ao ponto de sair da cama para ver se as torneiras tinham "quente" e "frio" escrito por extenso.

Até que Jesusalem chegou...

E eu estou quase a ir a Lisboa, mas atenção, longe de mim querer que se sintam na obrigação de me oferecer algum livro...

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Carícias

Há manchetes que só seriam possíveis em Angola...



Exactidão

Numa repartição pública, com meia dúzia de pessoas, uma voz interroga:

- Alguém sabe que horas são?

Eu prontifico-me a tirar as mãos dos bolsos e respondo solicitamente:

- São 11 horas.

Mas alguém, sabe-se lá porquê, duvidou daquela resposta e apressou-se a verificar:

- Não são nada 11h, você tá a mentir p'ra quê afinal? Tá aqui (e exibia o telemóvel a quem quisesse ver) são 10h57. O meu Nokia nunca falha! Não liga minha senhora, ficam só aí a responder horas à toa. Ainda faltam 3 minutos para serem 11h.

Restou-me aceitar a falha e pedir desculpa pela pouca exactidão.

E por momentos até me julguei num país onde o rigor fosse lei, onde nenhuma vírgula fosse colocada fora do lugar e tudo funcionasse na perfeição. Mas ao chegar a minha vez de ser atendido logo percebi que na realidade estava em Angola:

- Mas 10.000 kwanzas só para assinar um documento?

- Ya, só.

domingo, 19 de julho de 2009

A obra (na Cidade Alta) e o estaleiro (na Praia do Bispo) estão separados por cerca de 3 minutos de estrada. É o caminho que faço inúmeras vezes, todos os dias, e que aqui partilho convosco.

A Cidade Alta é a zona de Luanda mais bem cuidada e segura, uma vez que ali se situam alguns ministérios e o palácio presidencial.

Da próxima vez vou tentar mostrar o "outro" lado de Luanda. Uma viagem a Viana (onde temos outro estaleiro) é seguramente o oposto deste video. Quando corre bem são cerca de duas horas (25 km) de estrada com vários buracos (ou de buracos com alguma estrada). Mas isso fica para outra ocasião...

quinta-feira, 16 de julho de 2009

A Internet

Estava eu a pensar no que escrever para actualizar os recados, quando o assunto, mesmo a pedi-las, bateu-me à porta na forma de dois técnicos que vieram para trocar a antena da internet.

Chegaram às 12h30, que é uma hora esquisita.

- Senhor, viemos trocar a antena da internet, não vai demorar nada.

- Mas agora que eu ia almoçar?

- Sim, vai ter que esperar um pouco. Até porque não está com cara de muita fome.

Surpreendido com a audácia dos técnicos lá concordei, com uma espécie de gemido, a esperar os 10 minutos que me anunciaram.

E passados 45 minutos (em Angola é assim) lá me mandaram testar o serviço:

- Então, está a funcionar bem?

- Aparentemente sim…

Eles lá se foram embora e, já com os dois do lado de lá da porta, ainda consegui ouvi-los pela última vez:

- Aparentemente, vê só… Cabrões dos brancos nunca sabem dizer que tá bom! Porra!

sexta-feira, 10 de julho de 2009

O Mestre

Não sei se por imposição ou espontaneamente, mas o certo é que agora o nosso Lopes foi promovido a "Mestre" pelos seus subordinados. O que mais se ouve agora pela obra é "mestre Lopes" para cá e para lá.

- Ouça, estes homens chegaram-me às mãos e mal sabiam pregar um prego. Em 3 meses já muito o Lopes fez. - dizia ele sem falsas modéstias. - Mais 2 meses e estão como eu.

- Ou melhores ainda Lopes.

- Nem tanto, nem tanto... - lá estava eu a exagerar.

Sentia-se o orgulho no discurso do Lopes, que continuou a justificar o grau de Mestre que lhe fora atribuído.

- Ainda hoje, veja lá bem, chega-me uma destas almas toda empenada. Coxeava mais que um pato. "Anda cá ao Lopes", disse-lhe eu. Tinha um rasgão no joelho, diz ele que caiu a jogar à bola, ontem à noite. Foi ou não foi Zé?

O Lopes procurava no outro a confirmação da sua história, apontando o próprio joelho para que o Zé percebesse, à distância, do que ele falava. E o polegar do Zé para cima indicava que sim, fora tal e qual como o Lopes contava.

- Peguei na caixa de primeiros socorros, meti-lhe um pouco de "betódine" (assim mesmo) e curei-o. O Lopes não é médico, mas o certo é que tratei o gajo. Aqui temos que ser como Jesus, que teve mil ofícios. (teve?!?)

- Pois é Lopes, estamos em Angola...

- Mas porquê? - gritou ele. E acrescentou em tom de desespero - Homem de Deus?

Virou-me costas e saiu com os braços abertos para o céu, como que esperando uma resposta divina. A pergunta ficou no ar, mas não deixa de ser boa...