quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Último Recado


Após alguns meses de recados, chegámos ao último, porque algum dia tinha que ser!

Agradeço a todos os que visitaram o blog e me deram o estímulo necessário para continuar a escrever, durante este período.

Continuarei em Angola, por mais uns tempos, sempre atento à realidade deste país tão peculiar.

Um abraço e até ao próximo blog…

O Assalto

Sempre que se fala de Angola, invariavelmente há uma pergunta que toda a gente me faz:

- Então e assaltos, há muitos? – perguntam curiosos e entusiasmados, certamente à espera de ouvir alguma história com tiros e violência.

E eu noto perfeitamente o desânimo quando vos digo que “até à data não tive problema nenhum”. Alguns chegam mesmo a exteriorizar a decepção:

- Fogo… Nem sequer uma tentativa de assalto? Uma abordagem, nada?

- Nada!

Por isso mesmo, consigo imaginar muita gente que, ao ler o título deste recado, gritou com os punhos cerrados no ar:

- Yes!! Até que enfim!

Eu, lamentando eventuais desilusões que possam ocorrer, passarei a narrar a ocorrência.

E foi assim que aconteceu:

Seriam umas 18h30 quando o barco nos deixou em Luanda, após mais um intenso dia de trabalho no Mussulo. Como habitualmente, o embarcadouro estava cheio de gente, numa balbúrdia imensa. Dezenas de miúdos a jogar à bola, algumas vendedoras e inúmeros desocupados dividiam o espaço que, àquela hora, estava já escurecido pela noite.

Desde que comecei a trabalhar no Mussulo, de vez em quando aparece um miúdo (dos seus 14/15 anos) para me acompanhar no trajecto entre o barco e o carro. Aproveita sempre o percurso para me dizer que esteve ali o dia todo “a controlar o carro”, tendo até já evitado alguns furtos, até porque:

- Esse vosso guarda é um boelo! No outro dia até levou galhetas de um cota aí… Ele fica só aí à toa, não protege nada.

Pois bem, voltando ao caso, hoje mais uma vez, quando o barco atracou, lá estava o rapaz à minha espera.

- Cumé meu cota, é hoje que me vais dar um cumbú?

- Não, hoje estou sem dinheiro aqui comigo.

- Xê, sempre a mesma conversa? Vocês brancos são muito agarrados! Eu tenho pedido com educação, mas se “toda a hora” nunca tens, assim vou ter que te roubar!

E como ele deve ter percebido a minha surpresa com aquela revelação repentina, acrescentou:

- Vou mesmo, cota! Não ‘tás a facilitar os mambos!

- Mas porquê que eu tenho que te dar dinheiro?

- Porque eu controlo o teu carro.

- Mas nós temos um guarda ali. Não preciso que controles nada.

E ele olhou para o guarda ao fundo que, sentado num tijolo parecia, de facto, fazer tudo menos guardar os carros, e riu-se. Levou as mãos à cabeça e ao bom jeito Angolano disparou:

- Ê, ê, ê! Esse? Parece um anão! Isso lá é guarda?

Com aquela conversa, entretanto chegámos ao carro. Eu abri a porta e preparava-me para entrar, quando o rapaz voltou à carga:

- Xê? Não baza só. O cumbú?

- Já te disse que não tenho nada.

- Ai é? Vou chamar o meu amigo “caenche”, então!

E enquanto ele assobiava ao dito amigo, eu fui entrando no carro, preparando-me para ir embora. Antes, porém, que tivesse tempo de arrancar apareceu o tal “caenche”, que eu conhecia de vista, por ser presença diária por ali.

- Vê só Jaimão, tou a pedir cumbú a esse aí, porque lhe guardei o carro, e ele não quer dar!

- Nada, não podes. Esse é muçulmano. Não podes pedir nos muçulmanos.

E eu, que até ali só queria ir embora, despertei com aquela informação. Muçulmano?! Pus a cabeça do lado de fora da janela e cumprimentei o Jaimão, tentando criar um ambiente mais amistoso. Mas no fundo, o que eu queria mesmo era perceber as minhas origens árabes. E não era o único porque o tal miúdo, aspirante a ladrão, perguntou:

- Muçulmano, esse? Nem é castanho! Muçulmano de onde mais?

E o Jaimão, que era grande mas tinha um ar inofensivo, calmamente explicou:

- Esse vai todos os dias para o Mussulo. Trabalha lá. É mussulmano! Não podes pedir dinheiro aos mussulmanos porque eles passam toda a hora aqui!

E foi então que eu percebi que era um Mussulmano com dois “esses”, os mesmos de MuSSulo. Despedi-me do Jaimão e, antes de arrancar, olhei para o outro rapaz e disse:

- Tas a ver, não podes chatear os Mussulmanos.

E lá fui eu para casa, apenas com mais uma pequena paragem, uns metros mais à frente, onde um tijolo suportava um certo personagem:

- Sr. Paciência, você tem que estar ali ao pé dos carros, não é aqui! Como é que você controla as coisas daqui de longe?

- Ya, senhor, ya!

E como sabia que ele ia responder “ya” a tudo o que eu dissesse, e já se ia fazendo tarde, lá me fui embora.

Caenche: Na gíria local significa um homem musculado.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

CAN 2010


Após viver o Euro2004 e a emoção com que os Portugueses acolheram o evento, tinha curiosidade em saber como seria este CAN2010, em Angola.

Ao chegar cá, há dois dias, logo percebi que os Angolanos adicionaram-se a este evento com muita paixão, fé e entusiasmo. São aos milhares as bandeiras de Angola nas ruas, um pouco por todo o lado, bem como o interesse demonstrado, por toda a gente, no torneio.

Há uma vontade enorme para que este CAN seja um sucesso, e toda a gente está disposta a dar o seu melhor em prol desse objectivo. Nem mesmo os tristes acontecimentos de Cabinda foram suficientes para resfriar os ânimos. Pelo contrário, só aumentaram a vontade em "fazer as coisas bem".

Estão, portanto, de parabéns os Angolanos, acima de tudo pelo espírito demonstrado ate agora.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

De volta

E cá estou eu de volta a Luanda, reabrindo a época de recados. À minha espera estavam 30 graus e uma desilusão colectiva pelo empate de Angola no primeiro jogo do CAN2010. Talvez por isso tenhamos esperado três horas (!!!) para que as malas começassem a passear pelo tapete.

E para os marinheiros de primeira viagem foi o cartão de boas vindas mais fiel possível à realidade. Para quê enganá-los se se pode mostrar o que esperar de Angola logo ali, no aeroporto?

Facilmente se distinguiam ali os novatos. Eram os únicos que esbracejavam e tentavam arrancar de uma funcionária qualquer informação. Esta, espojada (sentar é um verbo que não se aplica ao uso que fazia da cadeira) limitava-se a dizer:

- Eu não sei nada disso. Isso é com a TAP. O meu trabalho não é esse.

A fúria e indignação dos "virgens de Angolanismos" contrastava com a resignação dos mais experientes nestas andanças.

- Mas ninguém faz nada? - gritava um dos aflitos.

- Para quê, meu senhor? Sente-se e espere.

"Bem-vindos a Angola", pensava eu...