quarta-feira, 29 de julho de 2009

Gripe A

Após reunião difícil com um subempreiteiro local, para fecho de contas, seguiram-se uns momentos de descompressão. A conversa animada abraçou vários assuntos até que foi ter à tão badalada gripe A (por cá continua a ser suína):

- Epá Engenheiro, lá na tua terra estão bem aflitos com o “mambo” da gripe dos porcos, né?

- Acho que sim Sr. Adão, pelo que tenho ouvido há alguma preocupação. Todos os dias aparecem casos novos.

E o Sr. Adão, com um ligeiro sorriso de troça, ia abanando a cabeça negativamente.

- Vocês tugas não sabem mesmo nada. Vou-te dar uma dica: aqui em África nós tratamos essas gripes todas bem rápido. Sabes como?

Eu não sabia mas a curiosidade era muita.

- Pois bem, pegamos em Marijuana e esfregamos bem até ficar em papa. Depois juntamos bué de jindungo, do nosso, e já está. É só dar de comer aos porcos, eles ficam ali a transpirar à toa, alguns tossem e tudo, e a gripe vai embora. Não vale a pena virem com teorias, aqui sempre se tratou assim. Já na Nigéria…

Tive que o interromper porque percebi que a conversa ia divagar por vários países e o meu tempo era curto. Mas para vocês que aí estão no epicentro do surto, fica a ideia...

P.S. - Para quem precisar, dia 14 levo um pouco de jindungo daqui!

terça-feira, 28 de julho de 2009

Leituras

Agradeço desde já à mamuska o envio do livro "Jesusalem", do Mia Couto, que veio colmatar uma lacuna nas minhas horas pré-sono.

Ao chegar a Angola readquiri um velho vício: não dormir sem ler alguma coisa antes. E até vim prevenido com alguma literatura, mas com tantas noites cá passadas já a tinha esgotado há muito.

E como um vício é sempre um vício, que tem que ser saciado, já me ia deparando com problemas para encontrar o que ler. As revistas antigas que fui encontrando pela casa foram a salvação por estes dias. Algumas tão antigas que a Ana Malhoa devia ser virgem à data.

E quando também as revistas se esgotaram cheguei quase ao ponto de sair da cama para ver se as torneiras tinham "quente" e "frio" escrito por extenso.

Até que Jesusalem chegou...

E eu estou quase a ir a Lisboa, mas atenção, longe de mim querer que se sintam na obrigação de me oferecer algum livro...

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Carícias

Há manchetes que só seriam possíveis em Angola...



Exactidão

Numa repartição pública, com meia dúzia de pessoas, uma voz interroga:

- Alguém sabe que horas são?

Eu prontifico-me a tirar as mãos dos bolsos e respondo solicitamente:

- São 11 horas.

Mas alguém, sabe-se lá porquê, duvidou daquela resposta e apressou-se a verificar:

- Não são nada 11h, você tá a mentir p'ra quê afinal? Tá aqui (e exibia o telemóvel a quem quisesse ver) são 10h57. O meu Nokia nunca falha! Não liga minha senhora, ficam só aí a responder horas à toa. Ainda faltam 3 minutos para serem 11h.

Restou-me aceitar a falha e pedir desculpa pela pouca exactidão.

E por momentos até me julguei num país onde o rigor fosse lei, onde nenhuma vírgula fosse colocada fora do lugar e tudo funcionasse na perfeição. Mas ao chegar a minha vez de ser atendido logo percebi que na realidade estava em Angola:

- Mas 10.000 kwanzas só para assinar um documento?

- Ya, só.

domingo, 19 de julho de 2009

A obra (na Cidade Alta) e o estaleiro (na Praia do Bispo) estão separados por cerca de 3 minutos de estrada. É o caminho que faço inúmeras vezes, todos os dias, e que aqui partilho convosco.

A Cidade Alta é a zona de Luanda mais bem cuidada e segura, uma vez que ali se situam alguns ministérios e o palácio presidencial.

Da próxima vez vou tentar mostrar o "outro" lado de Luanda. Uma viagem a Viana (onde temos outro estaleiro) é seguramente o oposto deste video. Quando corre bem são cerca de duas horas (25 km) de estrada com vários buracos (ou de buracos com alguma estrada). Mas isso fica para outra ocasião...

quinta-feira, 16 de julho de 2009

A Internet

Estava eu a pensar no que escrever para actualizar os recados, quando o assunto, mesmo a pedi-las, bateu-me à porta na forma de dois técnicos que vieram para trocar a antena da internet.

Chegaram às 12h30, que é uma hora esquisita.

- Senhor, viemos trocar a antena da internet, não vai demorar nada.

- Mas agora que eu ia almoçar?

- Sim, vai ter que esperar um pouco. Até porque não está com cara de muita fome.

Surpreendido com a audácia dos técnicos lá concordei, com uma espécie de gemido, a esperar os 10 minutos que me anunciaram.

E passados 45 minutos (em Angola é assim) lá me mandaram testar o serviço:

- Então, está a funcionar bem?

- Aparentemente sim…

Eles lá se foram embora e, já com os dois do lado de lá da porta, ainda consegui ouvi-los pela última vez:

- Aparentemente, vê só… Cabrões dos brancos nunca sabem dizer que tá bom! Porra!

sexta-feira, 10 de julho de 2009

O Mestre

Não sei se por imposição ou espontaneamente, mas o certo é que agora o nosso Lopes foi promovido a "Mestre" pelos seus subordinados. O que mais se ouve agora pela obra é "mestre Lopes" para cá e para lá.

- Ouça, estes homens chegaram-me às mãos e mal sabiam pregar um prego. Em 3 meses já muito o Lopes fez. - dizia ele sem falsas modéstias. - Mais 2 meses e estão como eu.

- Ou melhores ainda Lopes.

- Nem tanto, nem tanto... - lá estava eu a exagerar.

Sentia-se o orgulho no discurso do Lopes, que continuou a justificar o grau de Mestre que lhe fora atribuído.

- Ainda hoje, veja lá bem, chega-me uma destas almas toda empenada. Coxeava mais que um pato. "Anda cá ao Lopes", disse-lhe eu. Tinha um rasgão no joelho, diz ele que caiu a jogar à bola, ontem à noite. Foi ou não foi Zé?

O Lopes procurava no outro a confirmação da sua história, apontando o próprio joelho para que o Zé percebesse, à distância, do que ele falava. E o polegar do Zé para cima indicava que sim, fora tal e qual como o Lopes contava.

- Peguei na caixa de primeiros socorros, meti-lhe um pouco de "betódine" (assim mesmo) e curei-o. O Lopes não é médico, mas o certo é que tratei o gajo. Aqui temos que ser como Jesus, que teve mil ofícios. (teve?!?)

- Pois é Lopes, estamos em Angola...

- Mas porquê? - gritou ele. E acrescentou em tom de desespero - Homem de Deus?

Virou-me costas e saiu com os braços abertos para o céu, como que esperando uma resposta divina. A pergunta ficou no ar, mas não deixa de ser boa...

terça-feira, 7 de julho de 2009

O Prédio Chinês

Ontem dei comigo a olhar, estarrecido, para uma das muitas obras que os chineses estão a construir em Angola. E eu vou já avisando que esta coisa dos chineses estarem na moda vai dar mau resultado. Qualquer dia o resto do Mundo torna-se obsoleto devido a tanta "China" por aí. Há dias o próprio Lopes tentava negociar 1 servente chinês em troca de 5 nacionais. Se o câmbio continua a subir assim a mão de obra angolana vira artigo de museu. Fiz-lhe notar que temos que incentivar o enquadramento dos Angolanos, ao que ele repondeu com uma gargalhada sarcástica. Na verdade, foi mais um latido.

Mas voltemos ao assunto. O edifício tem uns 20 andares (não me apeteceu contá-los) e é, todo ele, desprovido de qualquer requinte arquitectónico. Diz quem viu, que o prédio foi levantado em menos de um ano, o que eu acredito. Mas se em detrimento da rapidez se emprestasse alguma beleza à questão também não se perdia nada.

Ainda assim, já ouvi alguém dizer que era lindo, mas devia ser algum socialista português, sem muito com que se entusiasmar ultimamente, num momento de descontrolo emocional.

P.S. – Vou abster-me de comentar a “Ronaldomania” que se vai vivendo, porque eu felizmente (serei o único?), tenho mais que fazer e em que pensar.

domingo, 5 de julho de 2009

Pelas ruas de Luanda...

Da Estrada da Samba para a António Barroso (agora Marien Ngouabi), na Maianga...

Convém notar que era Domingo, não pensem que o trânsito é sempre assim apetitoso!



Música: Poema do Semba - Paulo Flores

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Sr. Jorge

Hoje apresento-vos o nosso administrativo. O Sr. Jorge é um homem volumoso em matéria e espírito. É do tipo de pessoas que raramente se irrita, mas que, quando acontece, a luta pode durar três dias.

Segundo o próprio, apenas por uma vez isso sucedeu. E ele até avisou que não suportava espectáculos de ballet. Não tinha paciência para “aqueles pulinhos em bicos dos pés”. Mas a esposa insistira e ele, contrariado, lá fora.

- Não aguentei nem meia hora. Quer dizer, eu já estava agoniado e, como se não bastasse, ainda diz o meu mais novo que quando for grande também quer ser bailarino? Mas que conversa é esta afinal? Peguei no miúdo e saí dali para fora o mais depressa que pude.

Consta que na saída ele ainda chamou o porteiro de bicha e disse que se visse mais alguém de collants, matava!

- Fiquei três dias sem falar à “Maria” mas depois passou. Eu tenho um coração de manteiga…

O Sr. Jorge deve andar na casa dos 50 anos, naquela idade em que já sabe que nunca será o dono de uma grande empresa de construção, conduzindo o Mercedes da praxe, mas ainda pode esperar algumas surpresas da vida, como ganhar o euromilhões ou furar-lhe um pneu. Furou-lhe um pneu.

Chega à obra mais sujo que o próprio carro (que não deve lavar desde que cá chegou) e com a aflição estampada no rosto.

- Estou tramado! Estou desgraçado…

- O que lhe aconteceu homem?

- Furei um pneu quando estava aqui a chegar à Praia do Bispo.

- E então, pelo seu aspecto já o trocou. Agora é só mandar esse para arranjar. Não precisa de ficar assim.

- Não troquei nada. Você nem sabe… Então eu meto o macaco ao sítio e levanto o carro. Nisto vou à mala buscar o outro pneu. Volto e onde estava o macaco? Não é que estes cabrões me levaram o macaco?

- A sério? Num espaço de tempo tão curto conseguiram roubar o macaco?

- E com o carro levantado. Sacanas d’um raio!

- Então e depois?

- Depois?! Depois ainda olhei à volta para ver se via o meu macaco. E não é que quando volto para guardar as coisas e vir pedir um macaco emprestado já lá não estava também o pneu? Eu assim não tenho condições. Isto é remar contra a maré. Assim não dá, não dá…

E lá tivemos que chamar a assistência para que trouxessem um pneu e um macaco. Ao fundo o Sr. Jorge ainda gritou:

- E é melhor um polícia também!

O assunto resolveu-se, mas realmente assim não dá...