terça-feira, 29 de setembro de 2009

Evolução das Espécies

As mulheres gostam de pensar que o homem está sempre uns passos atrás no processo evolutivo. Concordo. Eu acho que é um macaco que não resultou, um equívoco da evolução. Uma vez perguntaram ao Darwin sobre o homem e ele tossiu, fingindo que procurava uma caneta debaixo da mesa.

Mas o homem esforça-se por não chamar a atenção do erro (“se nos descobrirem, extinguem-nos!”) e lá vai disfarçando as suas limitações.

E talvez por isso, ao contrário das mulheres, ainda sejamos capazes de surpreender. Senão, vejamos o Lopes, que eu julgava não poder ser pasmo maior. Descobri hoje que por trás daquele ar de quem só espera que lhe peçam uma opinião, existem algumas veleidades culturais (“alguns poemas que um dia me mostrará”).

- O último que escrevi chama-se: "O que fazem os pirilampos de dia?"

Perante os factos, acho que só pode ser uma mulher a presidir ao comité de controlo das espécies. Só assim se entende a insistência na experiência.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Hoje em dia...

Um jovem amargurado (a namorada trocou-o por uma relação virtual de nome "Gostosão_22") caminha pela rua murmurando contra a vida e o mundo. Cruza uma esquina e avista uma jovem, calças justas da Salsa, cabelos longos e lábios carnudos. Tal era o seu gingado, que ele teve dificuldade em acreditar que aquilo que ela fazia com as pernas se chamava andar.


(15 minutos depois)


Os dois amam-se loucamente, rolam pelo chão, ele beija o corpo dela, ela pede para ele continuar e ele, motivado, continua. Depois, vestem-se e abrem a porta do apartamento dele. Entram. Lá dentro eles tiram a roupa novamente e voltam a rolar pelo chão, com mais beijos e mais grunhidos.

Depois do suor ele pergunta:

- Um cinema mais logo, talvez?

- Hummm... Como é o teu nome mesmo?

- João.

- Pois é, João. Não penses que eu sou assim fácil, ok? Quem sabe um café e olha lá...


E o João, que queria pegar na mão dela no escuro do cinema, pensou: "Lá se foi o romantismo..."


Recado fictício. Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Rascunhos no Mussulo

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Novelas

Tenho para mim que os angolanos são dos povos mais apaixonados por telenovelas. A reportagem que se segue demonstra bem o porquê da minha suspeita:

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Mulheres e Política

A confusão iniciou-se quando alguém comentou que achava a Manuela Ferreira Leite atraente. Ouviram-se ruídos de indignação (eu próprio fiquei chateado), outros abanaram a cabeça negativamente, mas ninguém concordou com aquilo.

Aquela confissão tinha caído mal, correndo até o risco de ser indigesta.

O Lopes chegou mesmo a pegar no prato e a ensaiar uma saída da mesa. Não estava ali para ouvir aquelas coisas. Acabou por ficar, em respeito ao bolo de banana que havia para a sobremesa. Mas ficou perturbado, afinal de contas “um gajo não vem de férias para levar com estas anedotas”. E tomou as rédeas da conversa:


- Sabes lá tu o que é uma mulher atraente. Olha, por exemplo, aquela espanhola que andou com o Cristiano Ronaldo. Isso sim! E tem os seios assim como eu gosto, um de cada lado. – e exemplificou com as mãos, no próprio peito, o formato dos seios que lhe agradavam.

- Ah, isso sim, isso sim! – concordou de imediato o Sr. Jorge, passando a língua pelos lábios, não se sabe se saboreando o almoço ou os seios descritos pelo Lopes, ainda que implícitos no ar.

O Sr. Vitor também concordou que aquilo sim, era mulher, ao que o Lopes concluiu com um “pois”, fazendo em seguida um silêncio cheio de “eu não disse”.

Depois, e já devorando o bolo de banana, fez a sua análise política, onde vaticinou que a “Manuelona, cruz credo” (e benzeu-se) jamais terá hipóteses. Faltava-lhe um “quissá, quissá” (eu também não percebi, mas ele pareceu saber do que falava) muito importante nos políticos. E, em cinco minutos, o Lopes desfiou ali o panorama eleitoral do país. Quando não tinha resposta para alguma questão mais pertinente da plateia, dizia apenas:

- Bem, há por trás disso muito mais do que imaginam… É melhor nem irmos por aí…

Entretanto, a hora do almoço esgotou-se e o primeiro a sair do refeitório foi o causador da polémica. Antes de sair, virou-se para o Lopes e provocou-o:

- A Manuela é bem boa, ó Lopes! – e depois saiu, rindo e fechando a porta atrás de si.

O Lopes não teve tempo de responder, mas fez um gesto expressivo “é boa aqui, ó”.

sábado, 19 de setembro de 2009

Chinês Bailarino

Já aqui disse, anteriormente, que ao ritmo com que se têm desenvolvido, rapidamente os chineses tornarão o resto do mundo obsoleto. E eles são cada vez mais. Reproduzem-se exponencialmente (isto em termos de escala, porque o método continua a ser o mesmo), tanto que quando acabarem de ler este recado já terão nascido mais uns quantos milhares (e ler mais rápido não vai adiantar em nada).

E mais certa é a teoria se observarmos a enorme capacidade de adaptação destes mamíferos a novos meios. Por cá, onde também abundam, eles inserem-se no meio e nos costumes como ninguém. Senão vejam o vídeo abaixo, gravado num musseque de Luanda, onde um Chinês mostra os seus dotes de bailarino. A dança é o milindro, nova moda em Angola.


sexta-feira, 18 de setembro de 2009

O Panguila

Saía do estaleiro para a obra, quando sou interpelado pelo Sr. Jorge.

- Vai à obra?

- Sim, vou. Precisa de alguma coisa?

- Já agora fazia-me um favor. Estou farto de ligar para o encarregado mas ele não me atende. Deve ser por causa do barulho. É o seguinte, preciso que mandem cá vir um dos trabalhadores para assinar uns papeis do seguro.

- Não há problema, eu trato disso. Como se chama o homem?

- Panguila.

- Hum?

- Pan-gui-la! – repetiu o Sr. Jorge sorridente. E rematou: - Ah, nome do caraças!

Por via das dúvidas ele escreveu-me o nome num papel, e lá fui eu para a obra, à procura do Panguila.

Lá chegando, arrisco e pergunto ao primeiro trabalhador que encontro:

- Você é o Panguila?

Respondeu-me secamente que não e baixou o olhar. Não ser o Panguila parecia ser um facto com o qual já se conformara há muito tempo.

- E sabe quem ele é?

A resposta negativa veio num mero encolher de ombros. Estava calor, e falar, parecendo que não, até cansa. Assim como trabalhar. Talvez por isso eu o tenha encontrado sentado num tijolo. Com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos dando assento ao queixo, lá estava ele, fitando o horizonte.

Segui na minha tentativa de encontrar o Panguila. Mas encontrei primeiro o encarregado geral, o Sr. Vitor. Dele ainda não vos falei, talvez por ter faltado oportunidade. É um homem metódico e que não gosta de perder o controlo. O único na obra que é adepto do Sporting. Acho-lhe piada, também por isso.

- Ouça, preciso que um tal de Panguila vá lá ao estaleiro falar com o administrativo. Há lá uns papeis quaisquer para ele assinar. Sabe quem é?

- Sei. Ó PANGUILAS! PANGUILAS! ANDA CÁ ACIMA, RÁPIDO! – gritou ele para o meio da obra. É curioso como certas pessoas, sobretudo as de mais idade, têm dificuldade em pronunciar qualquer nome que saia da esfera dos habituais. Tudo que não seja João ou José já dificulta o chamamento e o melhor que conseguem é uma aproximação. No caso, o plural foi o possível. Mas também Panguila era de mais…

Dois minutos bastaram para que o homem, que eu julguei ser o Panguila, aparecesse à nossa frente. Mas logo percebi que aquilo não ia ficar por ali.

- O que foi? Eu chamei o Panguila, que queres tu? – perguntou o Sr. Vitor.

- Ele não pode vir, me mandou só em representação.

- Mas o que é isto afinal? Andamos a brincar às obras? – irritou-se ele.

- Mas…

- Nem mas, nem meio mas. Ele que venha e é já! – deliberou o Sr. Vitor, com cara de assunto encerrado.

Mas o outro não se moveu. Ficou ali, insistindo no seu papel de representante do Panguila, o original.

- Está a ver? É isto que eu aturo. Eu vou lá buscá-lo porque senão nem amanhã.

Eu disse que sim, também achava melhor.

- Não vale a pena irem lá. O Panguila está a dormir!

Ao ouvir tal revelação, o Sr. Vitor, que já se dirigia em busca do outro, deu meia volta e ficou a olhar para o representante. Com as mãos na cintura como se esperasse uma explicação. Como estava a dormir? Assim, sem mais nem menos? No horário de trabalho?

- Porque é a vez dele, Mestre. Nós combinamos fazer turnos. Uma hora eu faço o meu trabalho e o dele, enquanto ele dorme. Depois trocamos.

Eu confesso que já pouco me vai surpreendendo por cá, mas cada novidade é sempre um aprendizado.

O Sr. Vitor, refeito do choque, suspirou tão fundo que os níveis de oxigénio baixaram em todo o quarteirão. No fundo, sabia que hierarquicamente era ele o responsável por todos os Panguilas na obra. E o facto de um estar a dormir requeria uma explicação. Mas disso falavamos depois. O importante agora era ir acordar o Panguila.

Pouco tempo depois, o encarregado lá trouxe pela mão o Panguila original, ainda ensonado. Mandou-o ao estaleiro e ai dele que não chegasse lá em cinco minutos.

Depois virou-se para o outro:

- E não penses que por este estar acordado agora vais tu dormir. Vai mas é buscar o carrinho de mão e enche de areia. E já!

Eu dei a minha volta pela obra, acompanhado pelas lamúrias e explicações do Sr. Vitor. Era um homem rigoroso, eu sabia, mas havia coisas que não conseguia controlar e já andava a ficar cansado daquilo. E que eu não imaginava o que custava pôr aquela gente a trabalhar a sério. Disse-lhe apenas que, “se isto fosse fácil, estavam cá outros, não o Sr. Vitor”. Ele sorriu, vaidoso, e prometeu ter mais paciência e atenção “à rapaziada”.

Quando voltei ao estaleiro lá estava o Panguila, sentado em frente ao Sr. Jorge, tratando dos seus assuntos:

- Pan-guy-la! É com “ipsilone”, senhor.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Aqui fica uma reportagem da Rede Globo que, no fundo, retrata bem o caos diário da cidade de Luanda e a tal capacidade de improviso, de que já vos falei aqui...

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Transporte Colectivo

Se há coisa que os Angolanos têm para dar e vender (mais vender do que dar, porque o negócio corre-lhes nas veias) é a capacidade de improviso. Um pouco, aliás, à semelhança dos Portugueses. Herança de quem para quem, eis a questão. Mas o que importa é que nisso, ambos são muito parecidos.

A diferença reside, apenas, no facto de o “desenrasque” do angolano ser mais apurado, fruto das maiores dificuldades e carências do seu meio.

Por cá, a pergunta “Vamos fazer mais como?” tem sempre resposta, ainda que tardia. O método pode não ser o ideal, mas desde que sirva a necessidade…

Com tudo isto, não é de estranhar imagens como estas nas estradas Angolanas.





Conseguiram contar as pernas todas?

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Gasosas Normais

Seguíamos pela Mutamba, em direcção à Ilha, quando, após uma curva à direita, lá estava um braço erguido no ar, convidando-nos a parar. Em simultâneo, ouviu-se ainda um apito estridente, não fossemos nós não perceber o significado do gesto autoritário.

O Sr. Agente, de farda impecável e luvas brancas, dirige-se ao vidro do condutor, que era o Sr. Jorge. Numa amabilidade que, para os mais distraídos até podia parecer desinteressada, ele diz:

- Bom dia Sr. Condutor, peço desculpa por incomodar, mas podia, por favor, facultar-me a sua documentação e a da viatura?

Esta deve ser das frases mais ouvidas em Luanda, perdendo apenas para o “Xê, não há água outra vez!”

Após receber a documentação, o agente olhou para o Sr. Jorge como se tivesse acabado de tirá-lo do nariz.

- Esses documentos são seus? É você mesmo nessa foto aqui?

- Sim, são. Era um pouco mais novo só. E mais magro talvez…

O olhar do polícia ia alternando, repetidamente, entre a foto no documento e a cara do Sr. Jorge. E assim ficou, nesse reconhecimento, durante cerca de 2 minutos. Por fim, ainda que não parecesse muito convencido, continuou:

- O senhor sabe que não podia virar ali, não sabe?

O Sr. Jorge fez um ar surpreso, colocou a cabeça do lado de fora da janela e olhou para trás, procurando o motivo da infracção. Fez-se de ingénuo:

- Onde, Sr. Agente?

- Onde mais? Ali mesmo de onde você veio. É proibido e, desta vez, o sinal até está lá.

E de facto estava. Não era mais uma das tentativas desesperadas dos polícias, na busca de um motivo para a gasosa. Desta vez o sinal estava mesmo ali, colaborando com a autoridade (ou com a gasosa).

- Epá, peço desculpa mas não vi mesmo o sinal. – Apoiando a testa na palma da mão ele continua: - Vinha distraído e perturbado com uma notícia triste que recebi há pouco. Não vi mesmo.

Eu olhei para o Sr. Jorge e pensei que a Angolanização faz-se rápido. Ouvindo aquele discurso de desculpabilização, tão convincente quanto falso, o Sr. Jorge parecia um autêntico nativo, completamente envolvido nos “esquemas”. Mas não lhe valeu de muito.

- Isso são “makas”* suas. Vou mesmo ter que lhe passar uma multa. A multa são cem mil…

A quantia foi dita lentamente, com um discurso arrastado, dando a entender que havia espaço à negociação. Os cem mil seriam apenas o pior que poderia acontecer.

- E não podemos resolver isto de outra forma, Sr. Guarda? (esta é outra das frases no top 10 das mais usadas em Angola)

- Ai, ai, ai! Mas quando é que isto vai acabar, afinal?

Após a pergunta retórica, cheia de moralismos, os documentos são devolvidos ao Sr. Jorge com um papel extra, entre eles. Uma folha de caderno quadriculada, que estava ali, no meio da carta de condução, por algum motivo.

- Devolve-me só o meu papel que entreguei por engano. Mas coloca aí um recheio para não ter que te passar a multa, ya?

E o papel lá foi entregue ao guarda, recheado com dois mil kwanzas.

"Antes isso que os cem mil", terá pensado o Sr. Jorge. “Isto nunca vai acabar” terá pensado, por seu lado, o Sr. Agente. Até porque não convém.

* para quem não sabe, "maka" significa problema.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Teorias

- Ouça, Angola tem um potencial de desenvolvimento fantástico. Este povo com um pouco de carinho e paciência chega lá.

- Não sei...

- Ai chega, chega! E ainda rebocam a África toda atrás. Só não sei é se ainda vão a tempo.

- Então porquê?

- Porque isto tudo, um dia, vai acabar. Os gajos dizem que é no ano 2000 e qualquer coisa, resta saber qual. Vem uma bolota gigante lá do espaço, ou o que é, e pimba, rebenta com isto tudo.

- E acredita mesmo nisso, ó Lopes?

- Então não? Veja os americanos: já andam a plantar cenouras na lua e a ver se conseguem fazer chover por lá. Eles não andam a dormir como nós. Quando aquilo começar a dar grelos e “legumada” com força eles mudam-se. Isto começa a rebentar e já eles estão a fazer-nos adeus lá de cima. A cenoura numa mão e a outra a dar um “xauzinho”.

Não contive uma gargalhada bem disposta, na qual o Lopes rapidamente me fez companhia, divertido com as próprias teorias.

- Pois é, isto um dia acaba tudo e acho que os feios vão primeiro à vida! – disse ele, no meio da última gargalhada.

Nisto, passa por nós um dos serventes da obra:

- Este, por exemplo, tá lixado que nem um minuto dura. Olhe bem para aquele focinho! Jesus!!!

Mas o servente, que tinha de facto uma cara hedionda, como alguns crimes, não ouviu e seguiu caminho.

Mas ficou a teoria.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Matias: o Louco

Hoje, a meio da manhã, dirigi-me a um pequeno café que fica perto do estaleiro para comer qualquer coisa. Apesar de já ter reparado no estabelecimento, várias vezes, esta era a primeira vez que ousava lá entrar.

O interior era agradável, muito ao estilo do típico café português, com quatro ou cinco mesas dispostas em frente ao balcão. Nas paredes, quadros com motivos tradicionais Angolanos davam um colorido extra ao lugar. O cheiro era agradável, não o sei identificar, mas era bom.

Atrás do balcão, emoldurado por frutas de todos os tipos, como numa alegoria tropical, estava o dono do bar. Tão integrado no cenário que a sua cara também parecia, ela própria, uma fruta. Um abacate, talvez.

Pedi uma sandes mista e um sumo de caju e sentei-me numa das poucas mesas. Logo ao entrar já havia notado a presença de uma figura caricata, entre as demais. Mas foi a sua proximidade que a revelou totalmente.

- Deixa o senhor em paz, Matias!

Foi o que o dono do bar gritou quando ele se aproximou da minha mesa com o copo vazio numa mão, arrastando a sua cadeira com a outra.

Fiz um sinal de "tudo bem" para o dono do bar e o homem de meia idade, de cabelo despenteado e a cara amarrotada, sentou-se à minha frente, depois de empurrar as outras cadeiras da mesa.

Eu sorri-lhe, precavidamente, como se sorri para um possível louco, antes de se ter a certeza. Os restantes clientes não lhe prestavam muita atenção, pois já o deviam conhecer há muito tempo.

Ele examinou o meu rosto, com os seus olhos carregados de álcool, por um longo tempo. Como se ponderasse se eu merecia dialogar com ele, ou não. Depois olhou para o meu sumo de caju e fez um ruído qualquer de rejeição, sem abrir a boca.

— Que idade você tem?

Confessei-lhe a minha idade e ele fez outro som de desprezo.

— Hum! Com essa idade você não sabe de nada, mas é.

— Matias! — gritou o outro, de trás do balcão. — Deixa o senhor em paz.

Pelo seu tom, deduzi que aquilo era frequente. O Matias devia incomodar todo os novos clientes. Mas ele não deu importância às advertências. Perguntou:

- Sabe quantos anos eu tenho?

Como eu não sabia ele insistiu na teoria de que eu era um leigo:

- Você não sabe mesmo nada.

Ele levantou a mão direita com os dedos esticados e, usando o indicador da outra mão, bateu nos dedos abertos e contou:

- Um, dois, três, quatro, cinco. Tenho cinco anos.

Eu disse qualquer coisa como “Ai, sim?”, esforçando-me para não me rir. Nesta fase já tinha a certeza que ele era realmente louco.

- E você sabe quem é o dono disto tudo? – perguntou-me ele, girando o indicador no ar, para me definir o que era o tudo.

- Não sei. Quem é?

- Mas o que você sabe afinal?

Ele suspirou e olhou para o ar, desesperado com a minha ignorância. Era inútil, eu não tinha solução. Por instantes ele ficou com o olhar preso no tecto, como se decidisse se valia a pena continuar. Depois procurou o dono do bar e chamou-o. Precisaria de uma nova dose de álcool para me aturar.

Voltou a abrir a mão na minha direcção. Ia repetir a lição.

- Cinco. Tenho cinco anos e o dono disto tudo sou eu. Só estou à espera que o Pai Grande morra para assumir o lugar. Perceba, a morte às vezes traz alegria para uns, enquanto os outros só choram. – disse ele, sorrindo pela primeira vez.

Conheci os seus dentes amarelos e o seu lado filosófico ao mesmo tempo.

Até acabar a minha sandes ele ainda teve tempo de me explicar como tinha morto o Savimbi, quando tinha três anos. Eu não sabia, pois não? Pois bem, a verdade é que um tiro certeiro tinha sido suficiente. Depois ainda lhe deu dois beliscões “naquele nariz grandalhão” só para garantir.

Levantei-me para sair. Antes, porém, ele quis “conhecer o meu nome”.

- Ricardo. Foi um prazer.

Ele pensou. Fungou.

- Nem por isso.

E virou-me costas, chateado com a minha ignorância.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Entretenimentos

Quando os dias estão mais aborrecidos a minha descompressão habitual é uma volta pela obra, onde aproveito para uns minutos de conversa com Ele. Não com Deus, mas ele também merece o “E” maiúsculo...

Debatemos vários assuntos, onde fiquei a saber das suas dificuldades em aceder à internet no alojamento, tanto que eu até podia meter uma cunha, sei lá, para ver se instalavam mais computadores ou uma coisa assim. É que havia fulanos que ocupavam a net por horas e horas, sem fazer nada de produtivo, inclusive, e Ele já tinha visto, alguns entravam lá em situações de sexo e não sei o quê, e Ele que queria trabalhar não podia. Não era justo, pois não?

Após concordar que não era, de todo, pergunto-lhe:

- E sendo assim, o que costuma fazer nos tempos livres?

Retirando o capacete e colocando-o debaixo do braço, Ele penteia-se com as mãos e ajeita os óculos no nariz, antes de falar. O pequeno ritual, acompanhado do sorriso de malandro, fazia adivinhar que iria proferir algo que o envaidecia:

- Repare, eu felizmente tenho uma figura jeitosa. Os meus pais sabiam bem o que andavam a fazer e, como tal, é natural que não passe despercebido. Portanto, olhe, arranjo entretenimento com facilidade e não preciso de andar aí com bonecas, como alguns. Vou ao musseque onde tenho lá umas quantas namoradas e passo lá uns momentos de relaxamento. – Rematou ele, sempre com o tal sorriso inicial.

E foi assim que fiquei a saber que, segundo Ele, enquanto uns ocupavam a net e outros se entretinham com bonecas insufláveis, em substituição das mulheres (embora há quem defenda que a boneca não é uma substituição, mas um aperfeiçoamento), Ele passava os seus tempos livres em plena actividade no musseque.

No fim disse-me que, no entanto, e por muito que lhe custasse, teria que parar com essas coisas. Queria subir na carreira e tinha que se dedicar a 100%, pelo não podia ter nenhuma distracção. Muito menos a Francisca com os seus mamilos tipo amendoim.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Mito ou Verdade

Aqueles que têm acompanhado os recados desde o seu início, certamente se lembrarão daquele famoso programa de rádio com o qual o Sr. Francisco se indignou (os novatos podem lê-lo aqui).

Pois é, ontem ao final do dia, no caminho para casa, tive a felicidade de apanhar novamente a emissão no ar (parece que o dito programa afinal é diário). A questão do dia era, como suspeito deva ser sempre, deveras pertinente:

Seria mito ou verdade que, quando um homem tinha furúnculos na pele, isso significava que havia engravidado alguém?

Dentro do carro eu e o Sr. Jorge trocámos um olhar divertido e ele abriu-me os braços como quem diz: “é destas coisas que eu gosto em Angola”. Depois, enquanto finalizava a sonora gargalhada, levantou o volume e ajeitou-se no banco para descobrir se a história dos furúnculos era mito ou verdade.

E o primeiro ouvinte ligou:

- Boa tarde Patrícia (a locutora chama-se assim), olha, eu estou cheio de furúnculos no rabo, logo deve tar a vir aí mais um puto.

- Ai meu Deus, caro ouvinte, o senhor não pode usar esse vocabulário na rádio, pelo menos a esta hora. Temos crianças a ouvir!

- Epá, mas tenho mesmo, no lado direito do rabo.

- Mas o senhor gosta mesmo de especificar! Então e diga lá, acredita que isso quer mesmo dizer que vai ter um filho?

- Pois claro que sim, quem mais é que ainda tem dúvidas disso? Na primeira gravidez da minha esposa também foi assim. Apareceu o primeiro furúnculo e eu disse-lhe logo: “Vai mas é ao hospital que vai nascer alguém aí”. E eu tinha razão. Mais, já ouvi um doutor qualquer explicar que isso é um fenómeno físico natural.

Não consegui ouvir mais opiniões porque o Sr. Jorge teve um ataque de riso incontrolável. Mas agora que sei que o programa é diário, hoje vou tentar não perder!

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Nudismo em Angola

Já não me recordo a que propósito (e nem deve interessar para o caso) mas comentava-se hoje, ao almoço, que qualquer dia começa a surgir a moda das praias de nudismo, aqui em Angola. O defensor da tese (que não era o Lopes) alegava que cada vez eram mais os apreciadores desta forma leve e naturalista de aproveitar os extensos areais Angolanos. Segundo ele, o movimento só não tinha mais praticantes por medo de repressão e falta de estímulo. E entusiasmado ainda acrescentou que, ele próprio, já tinha experimentado “lá numa praia bem deserta em Cabo Ledo” e a sensação era boa. Tanto que aconselhava, mas com repelente.

A ser verdade a teoria (o que eu desconfio), já imagino a novidade a passar de boca em boca e a moda a instalar-se “na banda”. Serão muitos os casais a convencerem os amigos das vantagens e prazeres de uma vida pura, embora às vezes só estejam interessados em saber se a comadre é mesmo uma loira natural.

No final do almoço não pareceram ser muitos os convencidos, mas o Lopes sugeriu que se engordasse mais um ou dois quilos ainda arriscava. Até porque ele sabia o que eram as maravilhas de andar nu, só que agora estava muito magro e assim não dava.

E a título de curiosidade, cá fica a imagem do final de dia numa praia de nudismo em Angola…


terça-feira, 1 de setembro de 2009

O Regresso

Após uns dias de merecido descanso, cá estou eu, de novo, envolto na poeira e no calor Angolano.

Para os que tinham saudades e anseiam por notícias, informo que já estive com o Lopes que se encontra bem. Está um pouco "extasiado e afagado", segundo o próprio, mas o que o "cobre de vaidade" é que a obra está a correr tão bem que "é o lobbys da empresa em Luanda". Aquilo ficou-me na cabeça, não só porque a obra, dadas as condicionantes geográficas, não está a correr assim TÃO bem (pelo menos para o nosso grau de exigência), mas sobretudo porque não consegui encaixar aquele "lobbys" no contexto. Ainda mais no plural. Ter-se-á ele baralhado nos estrangeirismos , ou qualquer coisa do género? Não sei, o Lopes tem esse seu lado filosófico indecifrável.

Optei por não questioná-lo mais.

- Você precisa é de férias, Lopes!

- Eu ando cansadinho de todo, ó engenheiro. Xiça!! Mas dia 15 deste mês lá vou eu. A minha mãe já me ligou a dizer que o melão em Almeirim este ano está uma maravilha. E diz que eu mereço! As mães são uma coisa...


Enfim, estimo, com heróico optimismo, em cerca de 15 dias a minha readaptação total.