sexta-feira, 18 de setembro de 2009

O Panguila

Saía do estaleiro para a obra, quando sou interpelado pelo Sr. Jorge.

- Vai à obra?

- Sim, vou. Precisa de alguma coisa?

- Já agora fazia-me um favor. Estou farto de ligar para o encarregado mas ele não me atende. Deve ser por causa do barulho. É o seguinte, preciso que mandem cá vir um dos trabalhadores para assinar uns papeis do seguro.

- Não há problema, eu trato disso. Como se chama o homem?

- Panguila.

- Hum?

- Pan-gui-la! – repetiu o Sr. Jorge sorridente. E rematou: - Ah, nome do caraças!

Por via das dúvidas ele escreveu-me o nome num papel, e lá fui eu para a obra, à procura do Panguila.

Lá chegando, arrisco e pergunto ao primeiro trabalhador que encontro:

- Você é o Panguila?

Respondeu-me secamente que não e baixou o olhar. Não ser o Panguila parecia ser um facto com o qual já se conformara há muito tempo.

- E sabe quem ele é?

A resposta negativa veio num mero encolher de ombros. Estava calor, e falar, parecendo que não, até cansa. Assim como trabalhar. Talvez por isso eu o tenha encontrado sentado num tijolo. Com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos dando assento ao queixo, lá estava ele, fitando o horizonte.

Segui na minha tentativa de encontrar o Panguila. Mas encontrei primeiro o encarregado geral, o Sr. Vitor. Dele ainda não vos falei, talvez por ter faltado oportunidade. É um homem metódico e que não gosta de perder o controlo. O único na obra que é adepto do Sporting. Acho-lhe piada, também por isso.

- Ouça, preciso que um tal de Panguila vá lá ao estaleiro falar com o administrativo. Há lá uns papeis quaisquer para ele assinar. Sabe quem é?

- Sei. Ó PANGUILAS! PANGUILAS! ANDA CÁ ACIMA, RÁPIDO! – gritou ele para o meio da obra. É curioso como certas pessoas, sobretudo as de mais idade, têm dificuldade em pronunciar qualquer nome que saia da esfera dos habituais. Tudo que não seja João ou José já dificulta o chamamento e o melhor que conseguem é uma aproximação. No caso, o plural foi o possível. Mas também Panguila era de mais…

Dois minutos bastaram para que o homem, que eu julguei ser o Panguila, aparecesse à nossa frente. Mas logo percebi que aquilo não ia ficar por ali.

- O que foi? Eu chamei o Panguila, que queres tu? – perguntou o Sr. Vitor.

- Ele não pode vir, me mandou só em representação.

- Mas o que é isto afinal? Andamos a brincar às obras? – irritou-se ele.

- Mas…

- Nem mas, nem meio mas. Ele que venha e é já! – deliberou o Sr. Vitor, com cara de assunto encerrado.

Mas o outro não se moveu. Ficou ali, insistindo no seu papel de representante do Panguila, o original.

- Está a ver? É isto que eu aturo. Eu vou lá buscá-lo porque senão nem amanhã.

Eu disse que sim, também achava melhor.

- Não vale a pena irem lá. O Panguila está a dormir!

Ao ouvir tal revelação, o Sr. Vitor, que já se dirigia em busca do outro, deu meia volta e ficou a olhar para o representante. Com as mãos na cintura como se esperasse uma explicação. Como estava a dormir? Assim, sem mais nem menos? No horário de trabalho?

- Porque é a vez dele, Mestre. Nós combinamos fazer turnos. Uma hora eu faço o meu trabalho e o dele, enquanto ele dorme. Depois trocamos.

Eu confesso que já pouco me vai surpreendendo por cá, mas cada novidade é sempre um aprendizado.

O Sr. Vitor, refeito do choque, suspirou tão fundo que os níveis de oxigénio baixaram em todo o quarteirão. No fundo, sabia que hierarquicamente era ele o responsável por todos os Panguilas na obra. E o facto de um estar a dormir requeria uma explicação. Mas disso falavamos depois. O importante agora era ir acordar o Panguila.

Pouco tempo depois, o encarregado lá trouxe pela mão o Panguila original, ainda ensonado. Mandou-o ao estaleiro e ai dele que não chegasse lá em cinco minutos.

Depois virou-se para o outro:

- E não penses que por este estar acordado agora vais tu dormir. Vai mas é buscar o carrinho de mão e enche de areia. E já!

Eu dei a minha volta pela obra, acompanhado pelas lamúrias e explicações do Sr. Vitor. Era um homem rigoroso, eu sabia, mas havia coisas que não conseguia controlar e já andava a ficar cansado daquilo. E que eu não imaginava o que custava pôr aquela gente a trabalhar a sério. Disse-lhe apenas que, “se isto fosse fácil, estavam cá outros, não o Sr. Vitor”. Ele sorriu, vaidoso, e prometeu ter mais paciência e atenção “à rapaziada”.

Quando voltei ao estaleiro lá estava o Panguila, sentado em frente ao Sr. Jorge, tratando dos seus assuntos:

- Pan-guy-la! É com “ipsilone”, senhor.

2 comentários:

Anónimo disse...

Que tal, Panguila, vai mais uma sorna? Que trabalhem os gajos!!!não é só encherem-se à nossa custa!!!!Não se esqueçam que aqui há a mosca do sono!Eles não sabem o que são necessidades!E que há gente letrada! Diz-se Panguyla, com ipsilone!!!!

Vivi Bagiotto-Botton disse...

pois! engraçado é. Engraçado os gajos a impor suas maneiras a um povo que vive doutra. a globalizaçao faz isso, impor o trabalho como valor pro mundo inteiro quando sob o sol o que mais nos apetece a todos, macacos bem ou mal formados, é dormir.

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