quinta-feira, 13 de agosto de 2009

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Absentismo em Angola

Absentismo e Angola é como ser Benfiquista e feliz, uma conjugação perfeitamente normal. Diria até que é uma questão cultural, praticada por 90% (vá, 85%) da população, sendo que o motivo mais frequente para esta elevada taxa é simples: a preguiça. Tirando isso só se falta ao trabalho por outros dois motivos: por tudo e por nada.

Lembro-me que, no início da minha jornada Angolana, alguém me fez a seguinte pergunta (sim, foi o mesmo de sempre, o Lopes):

- Precisamos de dez homens para fazer o trabalho amanhã, quantos mando vir?

A pergunta parecia-me tão descabida que a resposta saiu-me pronta:

- Que tal dez, não?

- É pouco. Têm que ser mais.

- Mas não me disse que precisava de dez homens?

- Mas afinal há quanto tempo está cá em Angola?

- Há pouco, mas porquê?

E o Lopes sorriu com tristeza abrindo os braços como quem diz "É difícil conversar com leigos...".

Depois explicou-me que, dado o elevado grau de absentismo por estes lados, era sempre preciso pedir mais mão de obra do que a realmente necessária.

Acordámos, então, que pediriamos doze homens. Provavelmente apareceriam oito ou nove e já desenrascava.

***

Outro tipo de absentismo é o praticado em “part time”. O pessoal aparece de manhã e quando o calor começa a apertar há sempre um óbito. E é rigoroso, a temperatura passa dos 30º e nunca falha: alguém morre! Alguns são apanhados em flagrante:

- Então não é que a mãe do gajo já é a segunda vez que morre este mês? Eu disse-lhe “Ó Sá, assim não pode ser! Vamos lá a espaçar mais essas mortes…” - relatava-me o Lopes, coberto de indignação.

Não há planeamento que resista e, perante tudo isto, se me perguntarem quando acaba a obra eu tenho a resposta exacta:

- Sei lá...

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A culpa é de Deus

Deus experimentou, tirou daqui e pôs acolá, moldou, desfez e refez, até que criou a mulher. De seguida, já cansado (porque a perfeição cansa), resolveu criar o homem e a fadiga fez-se notar no resultado. Duvidou se havia de dar vida ao projecto, mas decidiu arriscar. “A espécie há-de evoluir”, pensou.

E desde então temos tentado melhorar e até acho que temos feito um bom trabalho, apesar de alguns insistirem em remar contra a maré. Começo a animar-me com o facto de que nós, homens, até temos salvação, mas logo entra o Lopes no contentor para me retirar toda a esperança.

- Acho que fiz merda. – atira ele. E fica a olhar para mim, ansioso, como alguém que atira uma moeda a um poço e espera o “plim” no fundo.

- O que foi desta vez Lopes?

- Rompi a conduta de água. Está para ali uma cascata que é uma coisa doida. É preciso você mandar cá vir alguém reparar aquilo urgentemente.

Provavelmente influenciado pela cara que eu fiz, fez uma pausa e continuou:

- Vendo bem nem é assim tão grave, com o calor que está aquilo seca rápido.

É incrível a facilidade que o Lopes tem em minimizar os problemas. Sem grande dificuldade, consigo imaginá-lo na Guiné, na manhã seguinte ao massacre, a dizer à viúva do Nino Vieira: - Mas fora isso Senhora, que tal foi a noite?

- Claro que é grave Lopes. Primeiro porque essa conduta abastece o Palácio, segundo porque não está assim tanto calor e a obra vai ficar um pântano.

- Então tem que mandar cá vir alguém que eu não sei arranjar aquilo.

E antes que eu pudesse dizer alguma coisa ele saiu, mas antes de fechar a porta virou-se e disse:

- Desculpe lá, foi sem querer. Entusiasmei-me com o trabalho e descuidei-me.

Depois de chamar alguém para a reparação tive um último pensamento:

- Que raça, meu Deus! (E consta que Deus encolheu os ombros resignado…)

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Soares, o galã

Uma manhã no Serviço de Migração e Estrangeiros (SME) é qualquer coisa deste género:

Motivado pelo conselho que me haviam dado, chego o mais cedo possível ao local. Mas o mais cedo possível já parecia demasiado tarde, tendo em conta a quantidade de gente que já lá estava. Entre elas a pessoa que me iria acompanhar e que me recebeu dizendo que já tinha tratado de algumas questões burocráticas, tanto que o meu nome já estaria na lista para que fosse um dos primeiros a ser chamado.

- Mas que questões burocráticas?

- Epá, tenho uns parentes aí dentro do SME que almoçam todos os Domingos lá em casa. Assim devem-me uns favores e eu fui cobrar. Passaste já à frente de uns quantos que dormiram aí na fila. Aqui é assim, temos que “ser vivos”!

E aquele lugar estava cheio de “vivos” que tentavam, de todas as formas, furar a ordem de chegada e a presumível organização. Eu próprio, indirectamente, era um deles.

Sentei-me, então, num dos bancos à espera de ser chamado e fui observando o ambiente. Ao meu lado sentou-se um senhor que foi-se logo apresentando e iniciando diálogo:

- Sou o Soares. Então, muita gente aqui, né?

- Prazer, Ricardo. Sim, muita.

- A sua vez, vai demorar ou tá nos primeiros da lista?

- Acho que não vai demorar muito, e o senhor?

- Eu? Não… Eu só vim aqui para me sentar um pouco e ver o ambiente, não vim tratar de nada! Mas como não tinha mesmo nada para fazer... E às vezes aparecem umas damas fixes!

Fiquei surpreendido com aquela resposta, ou se calhar nem tanto assim. Angola está cheia de gente sem nada para fazer, que apenas vai vivendo o dia a dia, seja nas ruas ou no SME. Não são vagabundos, são disponíveis. Fazem parte da enorme reserva de mão-de-obra ociosa da nação, à espera de ser chamada. Só não vão atrás de trabalho, que isso já é pedir demais. A nação que venha buscá-los. E enquanto a nação não vinha, o Soares enchia as suas horas vagas, que eram todas, a observar as movimentações no SME.

No meio da enorme agitação e barulho, de quando em quando ouvia-se um assobio do Soares, a cada vez que uma mulher passava por nós.

- Essa tá meio acabada, mas ainda tem um restinho pra estragar…

O homem, que devia estar na casa dos 40 anos, naquela idade crepuscular onde o espírito está disposto mas a carne já duvida, ia avaliando cada ser do sexo oposto que o seu raio de visão captava.

Entretanto começara a chamada para o atendimento. A mesma era feita por um dos funcionários que percorria a lista de nomes em voz alta. Mas antes avisou:

- Não vale a pena virem aqui tentar furar a organização. Quem estiver de pé não vai entrar. Só quem eu vir bem sentado, a levantar e a caminhar até aqui é que vou autorizar a entrar.

A revelação fez com que os últimos dissidentes procurassem uma cadeira livre. Como estas já eram escassas, alguém vociferou para o ar:

- Tem muita gente que não vem cá tratar de nada e fica a ocupar o lugar de quem tem muito que fazer. Assim não pode ser!

E o Soares de assobio em assobio…

Os nomes iam sendo gritados e as pessoas entrando, após verificação da documentação. Quando a foto correspondia à figura presente a ordem de entrada era dada. Alguns não escapavam, contudo, ao comentário do funcionário:

- Porra, você é bem feio! Cuidado pra não assustar os meus colegas lá dentro!

E depois de uma gargalhada apressada lá continuava com a chamada, alternando entre cidadãos estrangeiros e nacionais.

O tempo ia passando e a inquietação de quem estava farto de esperar ia começando a sentir-se, mas logo rebatida com amuos.

- Com essa gritaria não chamo mais ninguém. – e cruzava os braços como uma criança ensaiando uma birra.

Contrariada, a multidão calava-se novamente, resignando-se à espera.

Já perto das 11 horas o meu nome lá surgiu e eu entrei. Antes o Soares, com um tom ligeiramente desapontado, disse:

- Xiii, vais embora agora? Vais perder... Ao meio dia é que costumam chegar as damas melhores. Cada uma que até o coração canta!!!!

Mas eu só queria ir-me embora. Pus a impressão digital no documento (que garantia as minhas férias) e fui!