domingo, 29 de novembro de 2009

Segurança Embriagado

Ao contrário do segurança dançarino, este vídeo não foi filmado por mim. Mas podia ter sido. Por mim ou por qualquer pessoa que viva o dia a dia em Luanda com uma câmera na mão. Insólitos destes são diários, acreditem!




E depois há sempre um supervisor que aparece de folhas na mão a controlar o trabalho... Pergunto onde estaria ele, enquanto o outro se atestou de "Cucas".

sábado, 28 de novembro de 2009

Cinema Angolano (Parte II)

Mais um excerto do cinema Angolano...





Não vou tecer críticas ao enredo, muito menos ao diálogo. Isso deixo para vocês. Mas há uma pergunta que não posso deixar de fazer:

O Cobra não terá calor? Mas quem escolheu aquela roupa para o homem?

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O Almeida e a Sueca

A notícia deixara o grupo de amigos completamente surpreso, roçando mesmo a indignação, em alguns casos.

Está certo que o Almeida era acarinhado por todos, até pelo seu aspecto franzino, mas isso não lhe dava aquele direito.

- O Almeida com uma sueca? – disse o Jorge, a voz da indignação geral, abrindo os braços como quem espera uma explicação para aquele delito.

E depois justificou a sua revolta. Uma sueca era algo que fugia aos padrões do grupo, quiçá do país. Ninguém deveria ter direito a uma sueca. Ou tinham todos, ou não tinha ninguém! E logo o Almeida? Com aquela cara que um dia a Alzira apelidara de grotesca “para não chamar nada pior”?

Todos concordaram que uma sueca era demais e pediram outra rodada. Havia que afogar a consternação.

- Mas alguém já viu a sueca do Almeida? – perguntou o Xico. – Pode até ser feia…

Mas após debaterem o assunto concluiram que não havia suecas feias e que o Almeida ia ter que se explicar.

Foi quando, não por acaso, o Almeida entrou no bar, acompanhado do assunto principal.

O grupo ficou imóvel, com a respiração suspensa, enquanto apreciavam aquele ser. Pernas grandes e peitos idem, toda ela transbordava beleza. “E muita volúpia”, sugeriu mais tarde o Xico.

- Esta é a Ingrä, a minha namorada. Ingrä com duas bolinhas no a, é sueca. – apresentou o Almeida, cheio de exibicionismo.

E a “Ingrä com duas bolinhas no a” cumprimentou-os a todos, com um “olá, tudo bem?” cheio de sotaque escandinavo. Falava com tanta sensualidade que, se a sua voz pudesse ser engarrafada, seria vendida como afrodisíaco.

Era realmente linda, aquela sueca. Alta e linda. Tão alta e tão linda, que logo todos confirmaram a tese de que o Almeida não tinha direito a ter uma mulher daquelas dimensões. E nem sequer era inveja. Tratava-se, no fundo, de uma questão de justiça.

Durante semanas o Almeida e a sua sueca, que não se largavam um minuto, foram o tema principal da maioria das conversas. Várias correntes de opiniões tentavam encontrar a chave que desvendasse aquele mistério. Uns sugeriam que ele a estava a chantagear de alguma forma, ou que ganhara o Euromilhões e tinha “comprado” a sueca. Outros, com teorias mais criativas, defendiam que ele a salvara da morte, em qualquer circunstância esquisita, e que ela estava com ele por agradecimento. Só mesmo por caridade…

Até que, um dia mais tarde, veio a notícia. O Almeida fora visto sozinho. Já não estava com a sueca!

Naquela mesma mesa, reunidos, os amigos congratularam-se com o sucedido. A terra voltava a girar sem sobressaltos. Estava restabelecida a lógica, segundo a qual uma sueca daquelas não podia ser de um Almeida daqueles.

Parecia claro que só podia ter sido a sueca a cair em si e a deixar o Almeida. Nem se colocou outra hipótese, sequer.

Ainda assim, até por sarcasmo, alguém quis saber o que acontecera.

- Epá - disse o Almeida – As Suecas são complicadas.

Repetiu:

- As suecas são complicadas!

E contou que as suecas eram terrivelmente ciumentas e atrasadas, pois não admitiam que um homem pudesse ter duas ou três namoradas ao mesmo tempo e...

A explicação foi interrompida pelo toque do telemóvel do Almeida.

- Estão a ver? Agora é isto! Desde que a deixei não pára de me ligar. Além de tudo as suecas são insistentes e chatas.

Surpresa geral! O Almeida é que largara a “Ingrä com duas bolinhas no a”!

- É que eu não consigo prender-me a uma mulher só. Eu sou assim... - concluiu o Almeida, encolhendo os ombros, enquanto trincava um rissol e rejeitava a chamada da sueca.

E se com a sueca o Almeida já era o tema principal das conversas, sem a sueca passou a ser o herói do grupo.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Candongueiros



Os candongueiros em Luanda são uma autêntica praga. São aos milhares e aparecem por todos os lados, emprestando ao trânsito da cidade, já por si caótico, uma desordem adicional.

Para quem conduz nesta babilónia, ter que partilhar as estradas (ou o que se queira chamar a pedaços de alcatrão esburacados) com estes transportes públicos é, sem dúvida, arrepiante. Ele aparecem pela esquerda, pela direita, por trás, e, não raras vezes, de frente, vindo em contra-mão.

Mais de metade deles nunca frequentaram uma escola de condução, o que explica o desrespeito total pelas regras de trânsito. Juntando à falta de civismo o resultado é explosivo.

Mas se para quem está do lado de fora é assustador, imaginem para quem está lá dentro. E são inúmeras as pessoas que dependem deste transporte para se deslocarem.

O motorista geralmente é um tipo cheio de estilo que conduz só com uma mão, apoiando o braço na janela da porta. A outra serve para segurar a “Cuca” que lhe vai matando a sede. Cobram por cabeça (há quem diga que os gordos pagam a dobrar) e vão atulhando até ao limite, que é longo. Enquanto houver um colo disponível cabe sempre mais um.

E quem sofre mais são as mulheres, adivinhem lá porquê…

- Xê dama, senta só aqui no colo. Ai, tás armada em quê?

A outra, grávida, pediu que alguém lhe disponibilizasse um lugar para sentar:

- Sai lá daqui, mas é. Eu cheguei primeiro. Queres sentar pede ao teu marido pra te comprar carro!

E tudo isto sempre com os poderosos décibeis do rádio ao máximo. A música, geralmente Kuduro, faz a carrinha abanar e é motivo de competição entre os diversos candongueiros. É uma algazarra que só vista.

Apesar de tudo isto, estes veículos podem sempre vir a ser úteis, algum dia. Se tiverem que estar em algum lugar num espaço de tempo impossível (para um condutor normal), basta fazerem a oferta:

- Pago o dobro se me deixar no aeroporto em 15 minutos.

E não duvidem que apanharão o voo. Provavelmente pálidos de susto (o que será normal depois de percorrerem kms em contra-mão ou sobre os passeios), mas o que conta é o objectivo.

Fica a dica se alguém precisar.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Exageradamente Educados


Todos nós conhecemos o tipo e já convivemos, mais ou menos de perto, com alguém assim. Falo das pessoas exageradamente educadas, com as quais, vou já avisando, eu não simpatizo. Daquelas a quem nós mandamos à merda e elas vão, só para não fazerem a desfeita.

Os exageradamente educados (daqui em diante designados por EE) comportam-se de tal forma que, para os mais desatentos, até pode parecer falsidade ou hipocrisia. Mas não é, garanto-vos. Talvez só um pouco de sonsice, vá. De resto eles são mesmo assim, irritantes mas puros.

Eu conheço algumas pessoas dessa classe e não é que não goste delas, mas sei lá, acho que quiseram nascer à pressa e vieram assim, sem sal. Não aprecio…

Pode ser mau feitio da minha parte, admito, mas como tolerar mamíferos, em cujo discurso se perde a conta às vezes em que dizem “obrigado” ou “por favor”? E aquelas redundâncias típicas da espécie? "Por gentileza, quer fazer a amabilidade de me passar o açúcar, por favor?" E ainda agradecem por antecipação: "Agradecidíssimo." Conjugam o superlativo sintético como ninguém!

Outra característica ímpar dos EE é o facto de nunca dizerem asneiras. Alguns, mais atrevidos, gostam de usar palavras foneticamente idênticas às asneirolas populares. E é vê-los dizer um "fosga-se" quando entalam o dedo numa porta, o que além de ser ridículo não faz sentido nenhum. Consta que houve um que se irritou tanto, mas tanto, que soltou um “xiça!” e ficou deprimido, logo em seguida.

Como sugestão, e se vocês forem suficientemente desocupados para tal (há sempre a probabilidade de isso acontecer), façam a seguinte experiência:

Liguem repetidamente para um EE perguntando por outra pessoa. Ao fim do vigésimo telefonema “por engano”, num espaço de cinco minutos, além de atender, aposto que ele continuará a dizer com uma boa disposição irritante: “Ora essa, não é incómodo nenhum”.

Eu nunca experimentei, porque tenho muito que fazer, mas é só uma teoria a comprovar…

Só para concluir, que fique bem claro eu gosto de pessoas educadas, e considero-me entre elas, mas convenhamos, não é preciso exagerar…

Nota: Este recado não se enquadra no âmbito do blog, no entanto, achei por bem fazer este alerta.

domingo, 22 de novembro de 2009

Domingo...

Só por acaso, vi que em Portugal já vai estando frio, o que me deixou deveras preocupado. Tanto que pensei: "bem, vou mas é dar um mergulho nestas águas mornas do Mussulo, que o sol tá que tá!". E enquanto me banhava, só pensava no tempo em Portugal, com grave inquietação. O frio é uma chatice, de facto...


Abaixo uma companheira do passeio de hoje:




sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Calor e Lagostas

Angola vai ficando cada vez mais quente. O Verão vai avançando sobre nós de forma esmagadora, somando-se às dificuldades inerentes ao local. Quaisquer cinco minutos pela obra já se tornam um sacrifício, sendo o trabalho burocrático, sob a “bênção” do ar condicionado, o único escape.

Mas concluídos todos os mails, relatórios e afins, restavam duas opções: continuar no escritório a desenvolver a actividade milenar de nada fazer, ou sair novamente para a obra e mandar uns bitaites “à engenheiro”. Confesso que ainda ponderei ficar pela primeira opção, mas a responsabilidade é uma virtude. Amén!

Ao fim de caminhar trinta segundos já suava por todos os poros e o mar, mesmo ali ao lado, parecia tão distante para quem está na praia a trabalho e não pode, simplesmente, aproveitar para vestir uns calções e dar um mergulho. O que não se entende, mas enfim, formalismos!

Ao terminar a “voltinha” da ordem sentia-me assim, como uma espécie de urso polar no deserto. A minha vontade era correr outra vez para o ar condicionado, quando sou interpelado por uma jovem vendedora que passava na praia. Não devia ter mais do que 10 anos, e ali estava ela, sob o árduo sol, a trabalhar.

- Senhor, não quer comprar umas lagostas?

- E quanto é?

- Dois mil kwanzas cada uma, senhor. Estão fresquinhas.

- Dois mil? O que é isso? Ainda ontem o pessoal da obra comprou a mil. Isso tá caro!

- Não, senhor. A mamã falou que se for branco o preço é dois mil.

Eu sempre soube que o preço dos artigos variava consoante as origens do comprador, contudo, jamais me tinha sido dito assim, com aquela frontalidade e ingenuidade, próprias de uma criança.

Enfim, não comprei as lagostas, mas até fiquei com vontade.



P.S. - Já só falta um mês para completar mais uma etapa!

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Cinema Angolano

Por cá também se faz cinema, cuja qualidade deixo para vocês apreciarem no "trailer" que se segue. O filme chama-se "Assaltos em Luanda".



Eu cá gostei, especialmente, das seguintes passagens:

"... Essa altura de roubar lâmpadas. Estás muito confiançudo!" - Eu também estou "confiançudo" que o actor leu o guião. Acredito, plenamente, que a deixa fosse assim mesmo...

" Não tou a mandar, tou a ordenar" - Sim, porque isso de mandar é para os agentes fraquinhos. Este ORDENA!

" Tás a rir? Tás a rir com quem? Caguei?" - Esta deixa-me sem palavras...

Enfim, deixo aos cinéfilos uma crítica mais elaborada e sustentada.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A Homenagem

Após vários pedidos, e com os direitos de imagem devidamente salvaguardados...


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Morcegos


Eu insisto, foi um erro! Quando Deus fez o homem com os restos da mulher, só para não deitar o barro fora, nunca imaginou que pudessem acontecer coisas destas:

- Engenheiro, consegui! Finalmente! – disse-me ele com um sorriso extasiante. Não era um sorriso de felicidade. Era o sorriso da felicidade, o original.

- Conseguiu o quê, Lopes?

- Então não sabe? Andavam ali 4 morcegos numa palmeira, de cima para baixo, de baixo para cima, a gatinhar. Esses gajos estavam todos cheios de medo – disse, apontando com o queixo a mesa onde almoçavam quatro trabalhadores.

- E você apanhou os bichos?

- Claro, o Lopes não brinca. Trepei a árvore e apanhei-os, um por um. Enquanto estes maricas estavam todos a guinchar com medo, que nem umas Marias Madalenas. – respondeu o Lopes, sentando-se no meio dos rapazes, que mostravam entusiasmo com a bravura do Mestre. E um deles perguntou:

- Mestre Lopes, mas eles não voaram quando tentou apanhar?

- Não. Mas porque eu fui ágil. Aliás, os morcegos não voam muito. Eles são mamíferos, sabias?

E como o outro abanou a cabeça, dizendo que não, ele sustentou a afirmação:

- Mas são. São mamíferos porque têm dentes.

De seguida, estimulado, contou mais uma das suas façanhas - “Ouça esta, Engenheiro!” – na qual, há uns anos, na Guiné, já apanhara morcegos “não querendo exagerar, mas praí com o triplo do tamanho destes”. E tudo com um ou dois saltos que classificou de “faustosos”.

- Pois é, o Lopes que vocês vêm aqui já foi ainda mais esguio. Haviam de me ver há uns anos…

E os rapazes ouviam-no deliciados. Para aquela plateia o Lopes era uma espécie de herói, a quem qualquer coisa de extraordinária podia sempre acontecer. Se ouvissem dizer que ele era procurado pela Interpol, ou que seria o novo marido da Nicole Kidman, ou as duas coisas, ninguém duvidaria. Afinal, era o Lopes
!

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Sai uma Gasosa!

O nosso transporte para a obra faz-se de barco, bem cedo, logo ao começo do dia. Àquela hora o horizonte esconde-se atrás de uma neblina ténue, que se vai desfazendo aos poucos, revelando a Ilha do Mussulo.

Mas hoje houve uma revelação extra. Sentados na areia estavam dois fiscais da polícia marítima que, ao avistarem um barco cheio de "pulas" (vulgos "indivíduos de raça branca"), levantaram-se num ápice colocando-se em posição profissional. Foi como se vissem um cofre aberto, pairando no ar e vindo em direcção a eles. Arregalaram os olhos, que já brilhavam por esta altura, e saudaram-nos com uma continência.

- Bom dia meus senhores, facultem só a documentação do barco e do marinheiro, yá?

Yá, facultámos. E estava tudo legal. Eles ainda tentaram alegar que os documentos deviam estar plastificados, "porque tão a ver, né? O sal vai acabar por deixar isso tudo amarelo", mas a argumentação foi fraquinha e não teve sucesso ($$$).

E já iamos embora quando:

- Xê, xê, xê, cumé esse colete patrício? Tem um furo! - disse um dos fiscais para um dos passageiros do barco.

E de facto tinha... Um furo tão grande que julgo que dificilmente um grão de areia passasse ali. Mas tinha um furo!

- Epá, eu até nem gosto de complicar, mas vou ter que te multar. A lei diz que o colete tem que estar em condições. Esse tem um furo, vê só! - insistiu ele, apontando o furo com o dedo. E ainda quis investigar: - Quem fez esse furo, afinal?

Como era uma pergunta de resposta impossível, o assunto resolveu-se com 2000 Kwanzas e fomos todos embora. Mas só porque ele não gostava de complicar...

E já eu estava a trabalhar (eu trabalho muito!) quando o marinheiro, que ficara a atracar o barco, me veio contar que também lhe "sugaram" 500 kwanzas. Porquê? Porque o barco deveria ter remos em madeira maciça, e aqueles eram de "qualidade duvidosa".

Limitei-me a sugerir que, da próxima vez, ele comprove na cabeça dos fiscais se os remos são mesmo de madeira maciça.

***

Houve, também, aquele polícia que, após ver e rever toda a documentação do carro e do condutor, nada encontrou de irregular. “Mas e a gasosa, como sacar a gasosa?”, pensou. E desenrascou-se assim:

- Vou ter que te multar, Sr. Condutor…

- A mim?

- Sim, a quem mais?

- Mas porquê? Está tudo legal, os documentos estão aí todos.

- Por desrespeito à autoridade.

- Eu? Mas eu nem disse nada, fiquei aqui quieto.

- Pois é, mas não tirou os óculos escuros enquanto falava comigo. Isso é uma falta de respeito.

E como os documentos só voltam a sair do bolso da autoridade após uma transacção económica, não valia a pena argumentar.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Arte e Engenho

Alguém me perguntava, há dias, onde eu encontrava assuntos e histórias para contar, quase diariamente. Claro está que o autor da pergunta jamais esteve em Angola, o que explica a curiosidade.

Aqui, para quem está atento e debruçado, com interesse, sobre o quotidiano, facilmente se encontram, num pormenor ou num grande acontecimento, motivos para enviar um “recado”.

Seja no trânsito, na rua, na obra, ou em qualquer outro lugar, Angola é um lugar fértil em situações insólitas e caricatas. Além disso eu ainda tenho um trunfo, que é o Lopes. Quando o assunto escasseia, basta perder meia hora de prosa com ele e logo surgem novidades.

Depois é só uma questão de colocar o recado em escrita.

Para tal, e da mesma forma que Camões pediu arte e engenho para escrever os feitos Portugueses, também eu peço do mesmo para vos contar todas as peripécias de Angola, o mais literalmente possível. E não é que eu me queira comparar ao Camões (até porque ele era zarolho e eu não), mas um bocado de engenho, parecendo que não, ajuda!

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O Persa

Início do mês e renovações de contratos dos trabalhadores nacionais. Papelada para preencher. Este renova, este não, este sim, este não… E lá pelas tantas:

Xitó Nabungo Salimanda Silva. O Silva ali, perdido no meio do nome.

- Lopes, o Xitó Nabungo costuma faltar muito, não é?

- Uuuuuuuu…

- Tanto assim?

- É verdade. E o gajo até é trabalhador, mas xiça! Apesar disso acho que era bom ele ficar mais um mesito, mas você é que manda.

- É, também tenho boa impressão dele, tirando as faltas. Xitó Nabungo… - repeti eu aquele nome engraçado.

- Persa.

- Diga, Lopes?

- Persa. Xitó Nabungo é um nome com origens Persas.

Tive dificuldade em acreditar na veracidade de tal informação (porque será?), mas, ao mesmo tempo, curiosidade em saber mais sobre aquilo.

- Será, Lopes? Isso não me parece Persa. Soa-me mais a um nome tipicamente Angolano…

- Não senhora! Xitó é Persa e Nabungo Salimanda também. Já o Silva é controverso.

- Ó Lopes, deixe-se de histórias. Qual é a dúvida de que Silva é Português?

- É controverso – insistiu ele fazendo um sinal com a mão, reforçando que aquilo era uma questão dúbia.

- Lopes, origens à parte, chame o Xitó, se faz favor, que preciso de uns dados dele para preencher aqui…

- Ok, até calha bem.

E quando o Xitó chegou, antes que eu pudesse dizer o que quer que fosse, o Lopes avançou:

- Olha lá, o teu nome é Persa, não é?

- Não, é Xitó.

- Sim. Não, mas Xitó não tem a ver com a Pérsia?

- Hum?

- Não é hum, não sabes a origem do teu nome? Tens que te interessar por essas coisas! Ó Engenheiro, ele não sabe, mas garanto-lhe que é Persa.

E o outro, sem perceber nada, ficou ali a apreciar os raciocínios do Lopes, até que eu o chamei. Perguntei-lhe vários dados que fui preenchendo, e por fim quis saber:

- Qual é a sua idade?

- Ya, tenho em média 30 anos. - respondeu-me ele, cheio de certezas. Podia não saber as origens dos nomes, mas sabia a idade, terá pensado.

E após informá-lo que iria ficar mais um mês na obra ele saiu.

De pronto, aparece de novo o Lopes, com uma maçã roída na mão. Encostou-se à obreira da porta e, olhando sempre para a fruta, nos intervalos da deglutição foi dizendo:

- Este tipo se não faltasse tanto era uma máquina.

- Infelizmente esse é um problema recorrente.

- Pois, é uma questão do país. Há sempre um óbito, um paludismo, qualquer coisa. Não se pode lutar contra uma montanha! – filosofou ele.

Já eu fiquei a pensar o que seria aquilo de ter em média 30 anos… Talvez alguém cuja idade variasse sazonalmente mas que, só por orientação, andava sempre ali nos 30… em média!