Hoje, a meio da manhã, dirigi-me a um pequeno café que fica perto do estaleiro para comer qualquer coisa. Apesar de já ter reparado no estabelecimento, várias vezes, esta era a primeira vez que ousava lá entrar.
O interior era agradável, muito ao estilo do típico café português, com quatro ou cinco mesas dispostas em frente ao balcão. Nas paredes, quadros com motivos tradicionais Angolanos davam um colorido extra ao lugar. O cheiro era agradável, não o sei identificar, mas era bom.
Atrás do balcão, emoldurado por frutas de todos os tipos, como numa alegoria tropical, estava o dono do bar. Tão integrado no cenário que a sua cara também parecia, ela própria, uma fruta. Um abacate, talvez.
Pedi uma sandes mista e um sumo de caju e sentei-me numa das poucas mesas. Logo ao entrar já havia notado a presença de uma figura caricata, entre as demais. Mas foi a sua proximidade que a revelou totalmente.
- Deixa o senhor em paz, Matias!
Foi o que o dono do bar gritou quando ele se aproximou da minha mesa com o copo vazio numa mão, arrastando a sua cadeira com a outra.
Fiz um sinal de "tudo bem" para o dono do bar e o homem de meia idade, de cabelo despenteado e a cara amarrotada, sentou-se à minha frente, depois de empurrar as outras cadeiras da mesa.
Eu sorri-lhe, precavidamente, como se sorri para um possível louco, antes de se ter a certeza. Os restantes clientes não lhe prestavam muita atenção, pois já o deviam conhecer há muito tempo.
Ele examinou o meu rosto, com os seus olhos carregados de álcool, por um longo tempo. Como se ponderasse se eu merecia dialogar com ele, ou não. Depois olhou para o meu sumo de caju e fez um ruído qualquer de rejeição, sem abrir a boca.
— Que idade você tem?
Confessei-lhe a minha idade e ele fez outro som de desprezo.
— Hum! Com essa idade você não sabe de nada, mas é.
— Matias! — gritou o outro, de trás do balcão. — Deixa o senhor em paz.
Pelo seu tom, deduzi que aquilo era frequente. O Matias devia incomodar todo os novos clientes. Mas ele não deu importância às advertências. Perguntou:
- Sabe quantos anos eu tenho?
Como eu não sabia ele insistiu na teoria de que eu era um leigo:
- Você não sabe mesmo nada.
Ele levantou a mão direita com os dedos esticados e, usando o indicador da outra mão, bateu nos dedos abertos e contou:
- Um, dois, três, quatro, cinco. Tenho cinco anos.
Eu disse qualquer coisa como “Ai, sim?”, esforçando-me para não me rir. Nesta fase já tinha a certeza que ele era realmente louco.
- E você sabe quem é o dono disto tudo? – perguntou-me ele, girando o indicador no ar, para me definir o que era o tudo.
- Não sei. Quem é?
- Mas o que você sabe afinal?
Ele suspirou e olhou para o ar, desesperado com a minha ignorância. Era inútil, eu não tinha solução. Por instantes ele ficou com o olhar preso no tecto, como se decidisse se valia a pena continuar. Depois procurou o dono do bar e chamou-o. Precisaria de uma nova dose de álcool para me aturar.
Voltou a abrir a mão na minha direcção. Ia repetir a lição.
- Cinco. Tenho cinco anos e o dono disto tudo sou eu. Só estou à espera que o Pai Grande morra para assumir o lugar. Perceba, a morte às vezes traz alegria para uns, enquanto os outros só choram. – disse ele, sorrindo pela primeira vez.
Conheci os seus dentes amarelos e o seu lado filosófico ao mesmo tempo.
Até acabar a minha sandes ele ainda teve tempo de me explicar como tinha morto o Savimbi, quando tinha três anos. Eu não sabia, pois não? Pois bem, a verdade é que um tiro certeiro tinha sido suficiente. Depois ainda lhe deu dois beliscões “naquele nariz grandalhão” só para garantir.
Levantei-me para sair. Antes, porém, ele quis “conhecer o meu nome”.
- Ricardo. Foi um prazer.
Ele pensou. Fungou.
- Nem por isso.
E virou-me costas, chateado com a minha ignorância.
Há 8 anos
4 comentários:
Francamente Ricardo... desiludiste o homem pah!!! Continuas em grande. Abraço de saudade!
Buda
Êta Ricas! Já não te bastava o Lopes!ahahahah
Continua a escrever estas cróniocas maravilhosas, dessa terra sem igual.
Já agora vai pensando em passar tudo o que tens escrito com o teu "humor ímpar",(que é genético na 3ª geração dos Borges), para o papel e editar um livro! Será de certo, um sucesso e podes contar comigo para um lançamento na Biblioteca dde Coja, o que muito me orgulharia.
Beijos meus, dos avós e abração do Rui(também eles, leitores assíduos do teu blog, obrigando-me a imprimir os teus post's para à noite os lerem!)
Força e felicidades meu querido. Continua que vais no bom caminho!
bedijinhos.
Anabela Borges( a Tia babada!)
Sumo de caju??? realmente o homem tinha razao...
O jogador do Casa Pia deu o ar da sua pouca graça. Ao menos sabes o que é um caju, sua doninha?
abraço :)
P.S. - O Bibi tem aparecido nos balneários?
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