quinta-feira, 15 de julho de 2010

O Sábado

Naquela casa os sábados começavam cedo, logo ao primeiro recital do galo do vizinho, a quem o Sr. Juvenal já tinha profetizado um lugar no seu prato, "bem ao lado do funge". Isto ao galo, pois ao vizinho há muito que ele tinha cumprido a promessa de apertar o pescoço "se voltasse a assobiar para as pernas da Dona Isaura".

Com o aproximar da hora do almoço, a família ia chegando e a casa ganhava cada vez mais vida. Da cozinha, onde as mulheres se dividiam em diversas tarefas, saía o maravilhoso cheiro da muamba, que aguçava o apetite dos homens na sala. Ali, os dois genros discutiam o último Petro x D'Agosto, enquanto o Sr. Juvenal tentava resistir aos três netos mais novos, que insistiam em escalá-lo, como se de uma montanha se tratasse. Já o neto mais velho, permanecia ali ao lado, no sofá, com a nova namorada que hoje trouxera para o almoço. Mãos dadas e aquela conversa de romance fresco: “Quem é o meu bebézinho? Sou eu. Quem é a minha fofuxinha? Sou eu”. E depois ele decidiu dizer que jamais se separariam e seriam sempre felizes, o que fez o Sr. Juvenal reagir entredentes: "Tsc, tsc, logo com essa feia?"

A muamba, acompanhada do funge, chegou à mesa e todos a seguiram. Entre o "passa os kiabos", "dá só o sal", "põe mais jindungo" e outras trivialidades, lá se concluiu o repasto sem grandes incidentes. Excepção feita ao momento em que o Sabú, um dos genros, avaliou o tempero como razoável. Bom mesmo era o molho da velha dele "aquilo sim, era muamba!" E foi o outro genro que teve que segurar o Sr. Juvenal, antes que este saltasse para cima do Sabú. Ia dar-lhe uma lição, para ele aprender a ter juízo. Comia de graça e ainda refilava? Pensava o quê, o atrevido? A Dona Isaura também tentou aliviar a tensão pedindo que não ligassem ao marido. "Ele era assim meio..." disse, fazendo um gesto no ar que abria espaço a mil interpretações. O Sr. Juvenal podia ser "assim meio agressivo", "assim meio nervoso", ou simplesmente "assim meio doido".

Após os ânimos serenarem, e já sentados de novo no sofá, o Sr. Juvenal quis saber:

- Vai um digestivo?

Ia, claro! Ele foi à estante onde trancava as suas garrafas e retornou com uma delas, cujo aspecto deixava algo a desejar, obrigando o Sabú a perguntar se era mesmo aquilo que iam beber.

- É, porquê? - perguntou o Sr. Juvenal, agressivo.

- Nada, sirva.

O resto da tarde passou-se em conversas banais, as filhas de um lado contando as novidades à mãe, os genros do outro falando de tudo um pouco. Já o Sr. Juvenal, há muito que aprendera a dominar o truque de segurar no jornal em frente à cara, enquanto dormia sem que ninguém notasse. A maioria das suas tardes eram passadas assim, o que causava estranheza à Dona Isaura, que nunca percebera como um homem que lia tanto podia ser tão mal informado.

E por trás do jornal, ele só reagia quando alguém o incomodava, como foi, naquele dia, o caso do neto mais novo que quis saber o que significava corrupção.

- Pergunta ao teu pai! - disse secamente uma voz por trás do jornal.

Aquilo gerou nova confusão. O Sabú disse que não estava ali para ouvir ironias de um velho que era "assim meio esquisito" e todos concordaram, criticando em conjunto o Sr. Juvenal. Mas ele já tinha o jornal à frente da cara e não quis nem saber...

E aquela tarde agradável terminou ali, até porque o ambiente ficou "assim meio"...

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