segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Obrigado, Angola!

Este é o último recado que vos escrevo de Angola. Ao fim desta longa jornada, parto agora para novos desafios e deixo Luanda com nostalgia...

Sentirei saudades das peripécias do Lopes e do Zé Empurra, do trânsito peculiar desta cidade e das gasosas inerentes, dos Domingos de praia no Mussulo e dos amigos que cá deixarei.

Na hora da despedida, quero agradecer a todos vocês que neste espaço me fizeram companhia, durante este período, mas quero, sobretudo, agradecer a Angola por todos os bons momentos que por cá passei.

Muito obrigado a todos e até breve!

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Alcunhas

Há já alguns anos, nos meus saudosos tempos de preparatório, tinhamos um colega de turma que ostentava formas mais volumosas. Por esse mesmo motivo, e por falta de criatividade da nossa parte, a sua alcunha era "gordo". Curto e seco. E o "gordo", que durante muito tempo se conformou com aquela designação, um dia, do qual me lembro como se fosse hoje, revoltou-se:

- A partir de hoje já não quero que me chamem "gordo". Não gosto dessa alcunha. Quero que passem a chamar-me "banana"!

Naquela época de descobertas o espanto era comum entre nós, imberbes, mas ainda assim o sacana do "gordo" conseguiu surpreender-nos. Não só pela revolta do, até então, colega submisso, mas pela sugestão da nova alcunha. Ele até podia querer ser chamado de "bonito", "gostoso", ou até Bruno, que era o seu nome, mas "banana"?!?!

Aquilo não fez sentido a ninguém e, até hoje, ninguém lhe perdoou aquela insolência, até porque o "Tetão" e o "Caganita Africana" sempre aceitaram com humildade as suas alcunhas.


E quem diria que, anos mais tarde, eu teria uma sensação de dejá vu...


Aqui na obra temos um carpinteiro que era, também ele, bem fornido. A sua alcunha era "baleizão", inspirada nos famosos gelados que antigamente se vendiam em Angola e cujas embalagens eram em dose "festa de quintal". Quando o baleizão era anunciado em algum evento, as crianças (e alguns adultos sem juízo) acotovelavam-se para chegar à mesa e disputar o gelado. O que nem sequer se percebia já que, e lá está, o balde de baleizão dava para todos.

Mas voltando ao assunto, o nosso "baleizão" foi de férias e regressou hoje ao trabalho. Após cerca de um mês de ausência veio francamente mais magro, o que motivou o pronto comentário do marinheiro, o Vandame:

- Xê "baleizão", tás bué magro! Assim tás a bazar! Não pitaste nas férias, ou quê?

E o outro, com o ar superior e aborrecido de quem tem que explicar banalidades à plebe, respondeu-lhe:

-Aqui não tem mais baleizão nenhum! Você tá a ver baleizão aqui? Eu fiz regime (sempre a influência das novelas brasileiras) e agora só tenho osso. A "gordurisse" saiu.

- Ai, tás armado em magro agora? Pessoal! - anunciou o Vandame, virando-se para os restantes presentes - Ele agora não é mais baleizão, agora é cadáver!

Todos riram, alguém disse “xiiih”, outro disse “xê, tão t'abusar Balê”, e só quem não achou piada foi o alvo da brincadeira que, levantando-se e erguendo o indicador em riste, avisou a todos, "incluindo você, marinheiro de lagoa":

- O Baleizão campou e nasceu o novo madiê! Se alguém me chamar de novo de baleizão eu vou ralhar, tou já a avisar!

- Então e assim vamos te chamar o quê? - alguém quis saber.

- Agora sou o "dê uó".

- Dê quê?

- "Dê uó" seu matumbo. De Denzel Uóxinton! Agora com esse peso fiquei até parecido.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O Pato

Coisa mais que usual em Angola, diria até que obrigatória, é haver um penetra em qualquer festa. Por cá, essas figuras são chamadas de "patos" e, geralmente, são os mais descontraídos e atrevidos do evento. Passeiam-se pelo cenário como se fossem íntimos dos anfitriões, contam anedotas, comem de tudo um pouco e ainda ralham com os empregados. Alguns chegam mesmo a dar palmadas nas costas dos mais velhos querendo saber se "tá tudo rijo".

Num desses cenários...

- Cumé, a festa tá bala?

- Mais ou menos. Os rissóis são de anteontem.

- O quê?

- Eu bem desconfiei quando vi o camarão a olhar pra mim meio de lado. Acho que queria me avisar.

- Mas os rissóis são frescos! Cumé você afinal?

- Acho que não. É a primeira vez que vejo rissóis com cheiro a chulé. E já mesmo o whisky...

- Mas qual é a maka com o whisky? É da Escócia.

- Hum! Só se o Congo mudou de nome. Quando se sacode o gelo, só falta mudar de cor.

- Mas quem é o senhor, afinal? Você é pato, né? É a primeira vez que vejo o senhor numa festa minha.

- Primeira e última
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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O Zé Empurra

Durante o tempo em que estou em Angola, já perdi a conta às vezes em que me pediram emprego. Isso acontece frequentemente mas, ainda assim, há sempre quem nos surpreenda. Hoje, ao chegar ao embarcadouro de onde apanho, diariamente, o barco para a obra:

- Cumé meu boss, arranja só um emprego aí na tua obra, yá? O teu avilo tá a precisar de trabalhar.

- Tu fazes o quê?

- Sou cantor, boss!

- Cantor?! – surpreendi-me eu, já com um ligeiro sorriso. – Então mas se és cantor o que queres fazer na obra?

- É que eu canto, né? Mas também sou pedreiro!

- Ahh, nas horas vagas? – brinquei eu com a situação.

Mas ele, que se mantinha sério e aborrecido com a minha falta de compreensão, tentou explicar-me outra vez:

- Não, cota! Eu antes cantava aí uns kudurus. O meu nome artístico era Zé Empurra! Dançava e tudo, xê! Mas epá, agora tão a aparecer aí muitos gajos a fazer músicas à toa e o negócio não tá fácil. Então por isso é que decidi que agora sou pedreiro.

- Mas já trabalhaste como pedreiro antes?

- Não, antes só cantava.

- Então assim vai ser difícil. Ainda por cima a obra está no fim. Mas eu vou ficar atento, se aparecer alguma coisa eu digo-te, ok?

- Yá, dá só uma dica. Aqui pra arranjar emprego é duro, sabes né? Mas epá, vamos fazer mais como então? É a vida, né?

Eu concordei que era a vida e ele pareceu ficar consolado com o facto, afastando-se enquanto dançava.

- Diz só se o teu avilo não baila bué! – gritou-me ele já longe.

Eu limitei-me a levantar o polegar e a seguir viagem no barco, curioso por ouvir um êxito do Zé Empurra.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Eu quero ver na TV!!!

A sinceridade nunca foi pecado...


Gosto especialmente dos óculos de soldar! Vou levar uns daqui da obra para usar no meu dia a dia...

quinta-feira, 29 de julho de 2010

A Senhora Pariu um Cágado

Antes de ir de férias deixo-vos mais uma notícia cá da "banda". Envolve feitiçaria, cágados, partos e detenções. Ou seja, o melhor é verem!



"A polícia também não achou graça à estória e levou a mãe, o bebé cágado e o curandeiro, para apurar a veracidade dos factos." Isto é que são inspectores a sério, que não deixam nada por esclarecer!

Um abraço e até dia 15 de Agosto...

P.S. - "o bebé cágado" é excelente! :D

segunda-feira, 26 de julho de 2010

O Virgilio


- Dás licença, engenheiro? - perguntou educadamene o Virgilio, do lado de lá da porta.

O Virgilio é um dos nossos chefes de equipa. Homem de formas volumosas e algo desajeitado, é daquelas pessoas com modos rudes, ainda que sem maldade. Mas o que lhe falta em delicadeza, sobra-lhe em humildade e gosto dele por isso.

Dada a autorização, o Virgilio lá entrou, com a sua habitual falta de jeito. Cumprimentou-me com um tímido "bom dia", enquanto, por fora das calças, coçava as "jabulanis" com uma naturalidade surpreendente.

- Vim fazer uma reclamação.

O Virgilio era naturalmente bem disposto e positivo. Gostava de filosofar com frases como "se aqui está a chover, noutro sítio faz sol", ou "todos juntos somos mais unidos que todos sozinhos". Gostava de ver sempre o lado positivo da questão e, por isso mesmo, estranhei a reclamação.

- Então, o que se passa?

- É o pitéu... O cozinheiro agora toda a hora só faz massa. Massa com atum, massa com carne, massa com peixe. É sempre massa! Assim não tá a cuiar e o pessoal quer fazer greve...

De seguida, enquanto ajeitava a "vuvuzela" nas calças, acrescentou:

- No outro dia mesmo, o Peixoto até passou mal. E eu acho que é dessa massa, engenheiro. Começou a ficar com umas febres, o espírito saiu do corpo e voltou! Eu até pensei que ia "campar" ali mesmo! - disse-me, assustado, esbracejando no ar. - Fala só com o cozinheiro pra fazer um arroz ou um funge, de vez em quando, yá? Porque toda a hora massa, epá... - terminou ele, afagando a barriga com a palma da mão aberta, como que querendo demonstrar que a pança merecia melhor.


- Vou falar com ele, não te preocupes. Vamos ver se ele começa a variar a ementa, ok?

- Yá, tá fixe. Dá só um jeito.


Uns dias depois...


- Dás licença, engenheiro? É o Virgilio!

- Entra, Virgilio. Então o cozinheiro, já deixou de fazer só massa?

- Sim, sim, sim... Agora já tá melhor, ontem fez até batata doce. Obrigado, yá? Mas vim aqui por causa de outra maka...

- Então, o que se passa?

- Era só pra pedir o dia de amanhã, pra ir tratar de uns problemas.

- Quais problemas? Vocês não podem estar sempre a faltar, ainda mais agora, no final da obra!

- Sim, eu sei, mas tem que ser mesmo. É que Domingo vou fazer o pedido na minha dama e preciso de ir buscar os mambos do alambamento. Prometo mesmo que é só amanhã, yá?

- Ó Virgilio, adianta eu dizer que não?

- Nada, não adianta engenheiro...

- Então que queres que eu faça? Olha, vai lá e boa sorte nesse pedido. Como se chama a tua noiva?

- Januzália. - respondeu-me ele sorrindo.

Naquele momento eu pressenti que ele teria problemas com os sogros, mas achei melhor não comentar. Desejei-lhe apenas boa sorte e o Virgilio lá foi, em busca do alambamento.